segunda-feira, 28 de abril de 2008

A garota da colina

O conto foi feito como o estilo maravilhoso para um trabalho da universidade, como acabei não utilizando, vou colocar ele aqui. xD

A garota da colina.

Estava sempre sozinha na colina de árvores e grama de um verde intenso e impossível, o céu azul e limpo com um sol que trazia o calor de verão, a garota de longo cabelo ficava lá sentada do nascer ao por do sol, aguardando por algo que já havia a tempos esquecido.

Por que esperava? Por que naquele lugar? Nem ela mesma sabia, mesmo assim ela ficava lá, em um paraíso solitário, um mundo onde apenas a natureza a fazia companhia.

Ao seu lado uma pequena cesta com frutas colhidas logo depois de acordar, quando os pomares ainda se lavavam com o frio e delicado orvalho da manhã. Iria comer sozinha, como fazia todos os dias, todas as semanas, meses e anos que estivera lá naquela colina. A paisagem mostrava sua beleza quando o primeiro raio de sol começava a acariciar a terra, e ela assistia como se tudo aquilo fosse inédito, completamente novo, mesmo sabendo que já havia visto e que ainda veria no dia seguinte, adorava, amava tudo aquilo, mesmo não tendo ninguém com quem compartilhar aquele jardim do Éden.

Nunca se sentiu sozinha, não conhecia esse sentimento uma vez que nunca compartilhou sua vida com nenhuma outra pessoa, mas de certa forma seu espírito sabia e ela sentia, mesmo que não soubesse o que era tal sentimento, que precisava de alguém para conversar, alguém com quem pudesse compartilhar seus pensamentos, sua voz, suas palavras; alguém que pudesse tocar, e também ser tocada, queria sentir o conforto de estar em volto aos braços e em companhia de alguém.

Foi depois de não se sabe quantos milhares de anos, vindo das estrelas que surgiam na noite, dizia que foi a pedido de duas amigas que não podiam falar com ela, o sol e a lua, que viera, percorrera uma distancia longa, quase infinita, apenas para encontrá-la. Estava aguardando, de pé e encostado na árvore no topo da colina em que ela sempre se sentava em baixo, passara a noite em claro apreciando toda aquela vastidão bela, que até então só pudera ver em quadros, seus olhos lacrimejaram ao serem tocadas pelos primeiros raios de sol e com a vista embaçada pelas lagrimas, ele limpou com a manga de sua blusa.

Não parecia ter reparado na presença dela, parada em pé atrás dele, estática, em choque, não sabia o que fazer, o que falar, esperara anos, dos quais perdera a conta, por aquele momento, uma pessoa além dela própria, alguém com quem pudesse viver. Estava prestes a chorar, mas tinha medo de que se o fizesse aquele rapaz partisse. Queria falar, mas as palavras não se pronunciavam, seus lábios apenas abriam e fechavam, estava muda.

Quando se virou ele a viu, então se aproximou dela com os olhos já enxugados das lagrimas, e com um sorriso abriu os braços e girou no lugar como se estivesse mostrando e ao mesmo tempo tentando abraçar toda aquela beleza.

“É lindo. Esse lugar em que você vive. É muito lindo.”

Ainda sem palavras ela apenas balançou a cabeça em afirmação, olhando fixo para o rosto daquele rapaz desconhecido, como uma criança olha para os pais quando estão dizendo algo extremamente importante, com toda a atenção que consegue ter.

“Mas também é muito solitário, não? Você é a única pessoa aqui neste planeta, não é verdade?”

Mais uma vez afirmou com um balanço de cabeça.

“Uma linda prisão para as pessoas que conhecem o sentimento de convívio, um mundo comum para aqueles que nunca virão outras pessoas.”

“Vim aqui para perguntar se você gostaria de ir para um lugar onde existem outras pessoas.” Disse o rapaz ao virar-se para ela. “Vir junto comigo.”

Passaram um longo tempo apenas olhando um para o outro, não tinham nenhuma expressão de duvida, alegria ou tristeza.

“E - eu...”, mas a garota não conseguiu terminar, baixou a cabeça e observou a cesta de frutas que segurava pela alça com ambas as mãos em frente ao seu corpo, podia ver algumas maçãs, pêras e amoras colocadas dentro de uma toalhinha de pano em cima das outras frutas para que elas não as esmagassem.

“Sim?”, fitou-a com um olhar curioso, aguardando que ela terminasse sua frase.

“O - outras pessoas?” Voltando seu olhar novamente para o rosto do rapaz que agora estava mais próximo que antes.

“Sim, muitas delas. Nem todas vieram de planetas tão belos como esse ou tão solitários também. Alguns mal sabem o que estão fazendo lá, outras foram para lá a contra gosto, mas posso garantir para você que existem muitas pessoas de todos os tipos, alegres, bondosas, felizes e que sempre querem compartilhar sua vida com outros.” Fez uma pausa. “Mas...”

“Mas?” Agora era ela que estava esperando que ele completasse a frase, seus olhos brilhavam, não conseguia imaginar uma pessoa além dela, muito menos um mundo cheio delas, de todos os tipos e repleto de diferentes sentimentos.

“Você nunca mais poderá voltar para esse planeta em que está vivendo agora.” Completou.

“Ah...” novamente baixou a cabeça, pensativa.

Ambos ficaram em silencio, o vento soprava e o sol já estava no alto do céu, radiante e belo como era todos os dias naquele mundo.

“Você não precisa dizer se quer vir junto comigo ou não agora, eu vou aguardar o tempo que for necessário para que você tome a decisão, vou estar todos os dias aqui, debaixo desta arvore, do alvorecer ao anoitecer.”

No raiar do dia seguinte ele a aguardava da mesma forma que estivera no dia anterior, desta vez não carregava cesta alguma, foi ao reparar nisso que o rapaz soube que sua decisão havia sido feita. A garota se despedira de cada lugar que esteve, cada arvore que lhe deu de comer, dos riachos que a deram de beber, da luz do sol e da lua que a acompanhavam em silencio, iluminando seu caminho; também se despediu da grama e do céu, de sua cabana e de cada toalhinha de pano que deixava dobrado gentilmente sobre uma bancadinha de madeira que ela mesmo entalhara com os restos de uma árvore morta.

“Está pronta?” perguntou o rapaz ao desencostar da árvore.

Ela se aproximou da mesma árvore tocando-a com uma das mãos seu caule rugoso e antigo, uma companheira quieta mas fiel, que a cobriu do sol escaldante e deu um lugar onde sentar e encostar, como um pai que da o colo para o filho cansado.

“Sim.” Respondeu fechando seus olhos e retirando sua mão do caule. Em seu pensamento ela prometeu que nunca esqueceria aquele mundo, aquele planeta, sua verdadeira casa, seu lar, onde todas aquelas coisas que nunca pronunciaram uma palavra, lhe deram a vida e beleza das quais conheceu desde a nascença.

“Vamos.” O rapaz estendeu sua mão e a garota a aceitou. Ambos abriram suas asas olhando para o céu alaranjado que começava a surgir com os primeiros raios de sol, então, ainda de mãos dadas, eles voaram através do infinito.

O cheiro de tabaco misturado com café e um clarão a fizeram despertar de seu sono, alguém havia aberto as cortinas do quarto. Ainda atordoada pelo sono, ela se levanta e encosta na cabeceira da cama observando em volta.

A porta da sacada do apartamento estava aberta, um rapaz estava sentado lá em uma das cadeiras de lá, com um cigarro em uma das mãos e uma xícara na outra, ele observava o céu; era seu marido que, como de costume, acordava cedo para observar o alvorecer.

Ao perceber que sua esposa havia acordado quando vira para olhá-la ele sorri e com a mão que segurava a xícara faz um gesto indicando o criado-mudo que ficava ao lado da cama, ela vira e vê uma cesta com maçãs, pêras e amoras, e do lado uma xícara de café.

“Estão frescas. São suas preferidas, não?” Diz o rapaz lá de fora na sacada.

Com um sorriso alegre ela acena em afirmação em direção ao marido. Dando um gole de seu café e depois pegando uma maçã com a outra mão, se levanta e vai até ao lado dele na sacada e o beija, sussurrando em seu ouvido:

“Obrigada, amor. Eu te amo.”

segunda-feira, 21 de abril de 2008

Último Fragmento

Nesta noite sinto que meu coração não bate por mim, não é por minhas veias que corre este sangue. Neste exato instante sinto que meu coração bate para o mundo, para aqueles que não tem voz, não tem nada. Por isso não preciso usar minhas palavras para dizer nada. Valho-me dos outros, que fazem meu ofício assaz melhor que eu.

A CASA DO OSCAR

Chico Buarque

"A casa do Oscar era o sonho da família. Havia o terreno para os lados da Iguatemi, havia o anteprojeto, presente do próprio, havia a promessa de que um belo dia iríamos morar na casa do Oscar. Cresci cheio de impaciência porque meu pai, embora fosse dono do Museu do Ipiranga, nunca juntava dinheiro para construir a casa do Oscar. Mais tarde, num aperto, em vez de vender o museu com os cacarecos dentro, papai vendeu o terreno da Iguatemi. Desse modo a casa do Oscar, antes de existir, foi demolida. Ou ficou intacta, suspensa no ar, como a casa no beco de Manuel Bandeira.
Senti-me traído, tornei-me um rebelde, insultei meu pai, ergui o braço contra minha mãe e sai batendo a porta da nossa casa velha e normanda: só volto para casa quando for a casa do Oscar! Pois bem, internaram-me num ginásio em Cataguazes, projeto do Oscar. Vivi seis meses naquale casarão do Oscar, achei pouco, decidi-me a ser Oscar eu mesmo. Regressei a São Paulo, estudei geometria descritiva, passei no vestibular e fui o pior aluno da classe. Mas ao professor de topografia, que me reprovou no exame oral, respondi calado: lá em casa tenho um canudo com a casa do Oscar.
Depois larguei a arquitetura e virei aprendiz de Tom Jobim. Quando a minha música sai boa, penso que parece música do Tom Jobim. Música do Tom, na minha cabeça, é a casa do Oscar."

Fragmento de "O Triste Fim de Policarpo Quaresma"

"... contudo, quem sabe se outros que lhe seguissem as pegadas não seriam mais felizes? E logo respondeu a si mesmo: mas como? Se não se fizera comunicar, se nada dissera e não prendera o seu sonho, dando-lhe corpo e substância? E esse seguimento adiantaria alguma coisa? E essa continuidade traria enfim para a terra alguma felicidade? Há quantos anos vidas mais valiosas que a dele, se vinham oferecendo, sacrificando e as coisas ficaram na mesma, a terra na mesma miséria, na mesma opressão, na mesma tristeza.

E ele se lembrava que há bem cem anos, ali, naquele mesmo lugar onde estava, talvez naquela mesma prisão, homens generosos e ilustres estiveram presos por quererem melhorar o estado de coisas de seu tempo. Talvez só tivessem pensado, mas sofreram pelo seu pensamento. Tinha havido vantagem? As condições gerais tinham melhorado? Aparentemente sim; mas, bem examinado, não.

Aqueles homens, acusados de crime tão nefando em face da legislação da época, tinham levado dois anos a ser julgados; e ele, que não tinha crime algum, nem era ouvido, nem era julgado; seria simplesmente executado!

Fora bom, fora generoso, fora honesto, fora virtuoso -- ele que fora tudo isso, ia para a cova sem o acompanhamento de um parente, de um amigo, de um camarada..."

O Triste Fim de Policarpo Quaresma - Lima Barreto

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Do Jabaquara ao Tucuruvi

As duas foram jogadas para dentro do metrô, como se duas ondas enormes as tivessem empurrado com toda a força que só a natureza pode exercer sobre nós, pobres seres humanos.

Por puro capricho da sorte ou brincadeira do acaso, sentaram-se uma ao lado da outra. A que se encontrava ao lado da janela era Maria e ao seu lado sentou-se Josefa, que ajeitou com presteza seu filho José, que estava sentado em seu colo.

Maria trabalha com vendas, adora falar. Deus lhe imbuiu de uma eloqüência digna de vendedores de dietas miraculosas nos programas de final da tarde. Adorava ler, lia tudo! Sabia todas as estações do metrô de cor e salteado. Conhecia todos os remédios para gripe, quais suas composições e melhores ocasiões para usá-los. Conhecia um pouco de tudo, enfim, uma chata.

Josefa, por sua vez, mal sabia escrever seu nome, era uma mulher de vida humilde, família humilde, aparência humilde, fala humilde, enfim, uma chata. Casou-se aos 16 anos com Diego, uma semana depois estava grávida de José, o garoto de 2 anos sentado em seu colo. José, conseqüência da cadeia hereditária e por galhofa de Deus, era muito parecido com a mãe. Assim, tinha uma vida humilde, família humilde, aparência humilde, enfim, um coitado.

Enquanto o metro cruzava a estação Conceição, Maria dirigiu-se a José, fez aquela expressão de espanto, forçou a voz em tom infantil, como que para agradar o pobre rapaz e disse:

- Mas que menino lindo! Qual o seu nome menino lindo?

O rapaz apenas a olhou. Não mudou a expressão séria, não sorriu, pelo que eu me lembro, sequer piscou. Maria olhou-o, depois fitou a mãe e insistentemente dirigiu-se ao menino novamente:

- Ué? Está bravo? A mamãe brigou com você? – E o menino permanecia imóvel, irresoluto, como uma estátua.

Maria fez uma expressão de desentendida, deu de ombros e passou a encarar a janela do metrô, sentindo-se completamente contrariada. A mãe de José, Maria, disse em voz baixa, quase sussurrando: “Ele não é muito de falar não, moça”. O fato de Josefa ter se manifestado a respeito do “diálogo” havido despertou a expressão extremamente sapiente que se perpetrava no rosto de Maria.

- Não é de falar? Como pode? Um menino tão grande, tão forte, tão bonito! – Dizia olhando para o rapaz na esperança de que suas palavras surtissem algum efeito mágico e o menino despertasse de seu transe para lhe agradecer enormemente por ter lhe curado da mudez.

- É – Respondeu a mãe, no mesmo tom de voz – Ele é mais de gemer, chorar e fazer barulhos estranhos quando quer algo.

- Entendo. Exatamente como um namorado que eu tive. – Ficaram as duas em silêncio olhando para o chão.

- Quantos ele tem? – Indagou Maria. – Diz pra moça quantos anos você Zé, diz? – O menino envergonhado escondeu o rosto entre o peito da mãe.

Suspeito que este diálogo não o estava agradando nem um pouco.

- Sabe, - Maria sempre começava suas preleções assim. Seus amigos mais íntimos quando ouvem o “Sabe” já compreendem o que vai se seguir, e logo inventam alguma razão para fugir ou tentam suicídio (o que é mais comum). – Eu já trabalhei com crianças. É muita estranha essa mudez. Tenho certeza disso. Já li em muitos livros. Ele com certeza tem mais de 1 ano e meio, já deveria estar falando. Ele canta?

Josefa não teve tempo de responder pois Maria continuou:

- Pode ser psicológico, já dei uma palestra sobre crianças muito retraídas... – Passaram a estação São Judas, Saúde, Praça da Árvore, Santa Cruz, Vila Mariana, Ana Rosa, e Maria continua incessante:

- Nos Estados Unidos, fizeram uma série de testes com macacos mudos... – Josefa fingia prestar atenção com maestria, pois parou de entender o que a outra estava dizendo há umas 5 estações atrás.

Quando o metrô se aproximou da estação Sé, Josefa se levantou, fato que obrigou Maria a interromper, muito a contragosto, o que dizia. Justamente agora que chegaria na parte mais importante! Ia discorrer sobre o que a mudez significada para os Incas, e compararia este significado com a doutrina existencialista de Kierkergaard.

- Bom, eu desço aqui. Muito Obrigado moça. Foi um prazer. – Disse Josefa sem saber exatamente pelo que estava agradecendo. Maria limitou-se a sorrir e acenar com a mão. Tenho certeza que em sua cabeça continuava discursando energeticamente.

José que já andava ao lado da mãe, segurando sua mão, surpreendentemente proferiu as únicas palavras que iria dizer antes dos 15 anos:

- Mamãe, eu prefiro ficar mudo do que falar como essa mulher!

- Eu também filhinho, eu também.