domingo, 15 de fevereiro de 2009

Trevas da Luz - O Gato Perdido (PARTE 4)

– Você não me respondeu – lembrei-a lutando para me manter no lugar enquanto a direção frenética de Ling em seu Aston Martin me arremessava nas curvas. Olhei para trás de relance e Nana parecia não ter problemas em se manter no lugar. – Por que isso só está acontecendo agora?

– Não faço idéia – respondeu Ling fazendo uma curva muito acima da velocidade para esquerda, eu fui arremessado para direta e tive que me segurar nos apoios já que o volante ficava do outro lado. – Alguma idéia Nana? – olhou rapidamente pelo retrovisor.

Olhei pelo canto do olho e a vi negar com a cabeça. Voltei para Ling novamente, agora em linha reta estava mais tranqüilo.

– Segunda coisa, então – comecei. – Aonde entra o gato nessa história?

– Lembra do que conversamos ontem à tarde? – continuou antes que eu respondesse. – Um gato respeita seu dono, além disso, como qualquer outro animal ele é sensível aos sentimentos do dono. Assim que essa ligação é feita entre dono e animal, também é feita um laço mais profunda, espiritual se você preferir.

Diante do semáforo vermelho, Ling fez uma pausa no que ia falar, olhou rapidamente a rua que cruzava o farol e, vendo que dava para passar, acelerou ainda mais o carro.

– Quando a pessoa que tem essa ligação com o animal é alguém bondoso com ele, a reação é equivalente. Esse é o tipo de respeito e de proteção que falamos. Se você é gentil com um gato ele responder de mesma forma, assim que o laço é estabelecido – virou uma curva, me segurei e suspirei assim que vi uma avenida. – Minha suposição é de que o gato era muito bem cuidado por Nathalie, e depois do que aconteceu com ela, ele está honrando a bondade dela.

– Calma, calma, calma – disse atônito a encarando por um olho e com o outro na avenida. – Se isso acontecesse com todos os gatos do mundo...

– Não – cortou Ling. O canto se seus lábios levantando. – O forte sentimento de raiva que Nathalie sentia era sobre-humano, esse sentimento foi canalizado através da ligação dela com o gato e deu no que vimos. Tudo me leva a pensar que a ligação entre eles era muito forte – olhou pelo retrovisor para o Nana, depois se voltou para o asfalto. – Talvez ela tivesse algum tipo de sensibilidade como a Nana.

Voltei para trás para Nana, seus olhos verdes e opacos bem abertos nos meus. A freada repentina do carro me jogou contra o pára-brisa, por sorte todos estávamos com cinto. Virei para frente, não havia como passar do semáforo vermelho, Ling foi obrigada a parar e soltou um palavrão em chinês que não reconheci. Me olhou pelo canto dos olhos, prestando parcialmente atenção ao semáforo.

– Isso acontece, é possível – completou percebendo que eu precisava de mais informações. – Como Nana disse, o gato é um animal que respeita seu dono e como sinal de respeito por Nathalie, ele resolveu vingar as mágoas dela da forma que sabia. Se os gatos realmente são guias das portas do mundo dos mortos, então não é de se espantar que ele trouxesse a morte daqueles que causaram a raiva no coração de sua dona.

Quando o semáforo abriu, ela esperou uma oportunidade de cortar a fileira de carro que se mantinham alinhados.

– E como você sabe que esse gato é realmente da Nathalie? – pensei mais um pouco e taquei outra pergunta. – E ele por um acaso está vivo?

– Não sei – respondeu séria e concentrada no volante. Tinha voltado a correr. – Para ambas as perguntas.

– Você podia ter perguntado para a mãe dela.

Senti o carro diminuir um pouco a velocidade e Ling virou para mim.

– Ela foi morta – seu olhar duro. – Não sei se foi algum dos envolvidos, Anderson também não soube dizer, mas eu acredito que alguém estivesse com medo e mandou matá-la. Isso foi logo após a morte das garotas naquela festa.

– Então...

Antes que eu pudesse terminar Nana gritou do banco de trás.

– Ling! – eu me virei para vê-la e Ling a olhou pelo retrovisor. – A energia está na outra direção, para oeste – apontou pela janela, à esquerda.

– Merda! – dessa vez não foi chinês. – Ainda ta na casa deles.

Mudou de rumo repentinamente, os pneus do carro cantando sobre o asfalto deixando um rastro preto e esfumaçado. Se a rua não estivesse vazia e a habilidade de Ling no volante não fosse de mestre, com certeza seria um acidente muito feio.

Com o coração preso na garganta e o suor da tensão ainda escorrendo virei para trás com os olhos bem fechados.

– E por que você não falou isso antes?! – reclamei colocando as mãos na cabeça.

– Não sabia se a energia iria seguir, ela oscilou – disse atenta aos seus sentidos. – Sumiu e reapareceu no mesmo lugar, está mais intensa.

– Se ele é realmente quem planejou tudo, o gato de Nathalie deve ter guardado o melhor para o final – Ling falou de repente. – Espero não chegarmos tarde, se Nathalie sabia de toda a teia que se formou por trás do estupro dela, Alexander não vai ser o último.

Nesse ponto ela podia estar certa, principalmente porque Nathalie devia te desconfiado já que simplesmente ignoravam as denuncias dela. Se o que me falaram era verdade e o gato tivesse absorvido toda essa energia de rancor, então começaria por aqueles que ela mais tinha raiva até todo o restante envolvido.

– Vão precisar de muitos caixões – murmurei para mim, mas Ling pode ouvir.

Acelerou mais e me olhou, as ruas estavam vazias a maioria das pessoas deveria estar viajando por causa do fim de ano.

– O que disse?

– Que vão precisar de muitos caixões.

– Você acha que não vamos conseguir impedi-lo?

– O que eu acho é que deveriam ficar a sua própria sorte depois do que fizeram – suspirei. – Mas isso não é o melhor a se fazer, não é?

– Não – respondeu friamente Ling. – As pessoas fazem o possível, na medida do possível e da forma que as circunstancias permitirem, tudo de acordo da maneira como pensam e cresceram...

Ergui uma sobrancelha a encarando e ela me encarou de volta.

– Alguém me disse isso no passado – revelou voltando-se para a rua diante do pára-brisa. – Não se pode julgar as pessoas simplesmente por suas ações sem antes entender todas as raízes que há por trás delas.

Dei uma risada leve e ela retribuiu com outra.

– Sim mestra – disse zombeteiro.

Após uma freada brusca paramos em frente a mansão de Anderson.


Através do enorme portão de grades da entrada via-se uma pequena rua de alguns metros cercada por um jardim e na ponta oposta uma abertura que dava para a grande porta de madeira de quase três metros de altura. Era uma mansão moderna de três andares, sendo grande parte branca e com janelas panorâmicas que se erguiam do chão ao topo da casa.

– Alguma coisa está errada – anunciou Ling olhando entra a grade. – Havia vários seguranças aqui – caminhou em paralelo ao portão e parou. – Masahiro, aqui!

Corri até onde estava e na clareira que se abria no extremo da rua de acesso a entrada da mansão, atrás de uma árvore havia um carro com as portas abertas, mas sem ninguém por perto. Aquilo não parecia bom.

Toquei o interfone, acenei para as câmeras de vigilância da entrada e esperamos os segundos virarem minutos, e os minutos consumirem um cigarro meu e outro de Ling. Ninguém chamou a policia.

– Perdi a paciência – disse sacando a arma do coldre. – Afasta.

Foram três tiros na fechadura do portão até que abrisse um buraco em seu lugar, com uma ombrada no centro onde as duas seções do portão se encontravam, uma delas se abriu e então corremos para dentro.

O carro estava abandonado, passamos pela porta de entrada que estava apenas encostada, chegamos há uma sala grande por onde um pequeno lago cercado de mármore corria pelo chão sob uma placa de vidro. A claridade da tarde penetrava por todas as janelas projetadas para deixar que os raios de Sol entrassem por mais tempo. Gritei chamando por alguém, mas sem sucesso. Duas vezes, depois Ling e novamente eu. Nada.

Foi quando Nana sobressaltou-se.

– Voltou! – exclamou se referindo a energia. – Ali! – apontou para o fundo da casa.

No mesmo instante que ela falou ouvimos vários tiros seguidos de um grito que foi logo abafado como se estivesse se afogando. Corremos até a parte de trás da casa onde se encontrava a piscina relatada por Anderson. Era uma piscina retangular grande, um pouco menor que a largura da casa, ao fundo um jardim grande com algumas árvores e a esquerda da piscina uma área coberta com uma churrasqueira e mesas para festas.

Saímos e paramos imediatamente assim que atravessamos a porta dos fundos, a cerca de quinze metros da piscina. Haviam corpos espalhados pelo chão torcidos de uma forma impossível, cada parte deles mergulhados em uma poça de sangue. Eram os seguranças. O último deles, o perpetuador dos tiros que ouvimos estava flutuando no ar, seu corpo torcido como os outros e por onde seus ossos saiam da carne, pequenas fontes de sangue desciam.

Próximo a piscina de frente para ela e de costas para nós, um rapaz de pijamas e do seu lado esquerdo um senhor também torcido, mas diferentes dos seguranças ele não usava terno, apenas uma camiseta e uma calça comum. Devia ser Anderson.

– Que energia é essa?! – Ling exclamou a minha esquerda. – É excruciante.

Olhei para ela, além da cena grotesca que nem mesmo filmes de terror conseguiriam fazer igual, não sentia coisa alguma. Virei para Nana, seus olhos verdes bem abertos agora estavam brilhando com vida. Não tinha dúvidas, agora ela estava vendo tudo que acontecia.

– Nana? – perguntei, não era a primeira vez que seus olhos ganhavam vida e nenhuma das vezes anteriores que aconteceu, indicou bom sinal.

– É muito poderoso – disse absorta naquilo que eu não podia ver. – Não é só um gato. Há milhares de espíritos surgindo ao seu redor, lamentam-se, sentem raiva. Masahiro... é como se os portões do mundo dos mortos estivessem abertos nesse lugar.

Um calafrio percorreu minha espinha até minha nuca, o coração começou a bater em um ritmo acelerado. Ling confirmou.

– É. Não posso ver, mas consigo sentir uma energia pesada, o cheiro fétido e esse ar pesado estão afetando meus sentidos.

Mantive a arma em punho todo momento. Ah, que se dane, pensei caminhando no sentido do rapaz que estava de costas. Mal havia dado dois passos e ele pareceu perceber minha aproximação e se virou. Pensava que aqueles corpos já formavam um cenário terrível o suficiente, porém quando o rapaz se virou consegui ver que não tinha olhos e devido seus cabelos meio longos não tinha percebido que estava sem orelha até ver a lateral de seu rosto. Foi então que vi suas mãos cheias de sangue. Ele havia perfurado seus olhos e arrancado suas orelhas. Não precisava ser um gênio para reconhecer que era Alexander, ou o que havia sobrado dele.

Travei no lugar quando vi aquilo, não pude me movimentar por alguns instantes, mas foram o suficiente para que ele se voltasse para a piscina lentamente, fez que ia cair e logo retomei meu controle e corri em sua direção.

– Ei! Garoto! Para! Para!!! – gritei enquanto corria.

A menos de cinco passos dele senti um impacto contra meu peito e estomago tão fortes que fui arremessado para o lado, como se tivesse sido pego por uma explosão. No mesmo instante perdi a respiração e a visão embaçou. Em menos de um segundo o mundo ao meu redor ficou mudo e logo em seguida voltou abafado.

– Masahiro! – ouvi Ling e Nana gritarem ainda próximas a porta da casa, suas vozes pareciam atravessar uma espessa camada de vidro até chegar as minhas orelhas.

Atordoado e recuperando a visão aos poucos me voltei para Alexander, mas já não estava mais lá. Levantei-me da maneira que pude pensando em correr atrás dele, mas fui parado pela voz de Nana.

– Masahiro!

Eu a ouvi mais uma vez e virei para vê-la ainda na porta, sua mão esquerda estendida na frente do corpo. Uma luz branca cruzou verticalmente por sua mão aberta e rapidamente a luz começou a se estender em forma de um arco; as luzes formando pontas nas extremidades como se fossem asas de cristal prateado.

Do seu lado Ling pôs sua mão sobre a de Nana que segurava o arco de prata e pronunciou algumas palavras que não pude ouvir, logo uma flecha grande branca com entalhes dourados surgiu. Com um movimento de dedos da outra mão, Nana puxou a corda do arco que se materializou, a corda parecia com pequenas estrelas unidas.

Toda a cena durou apenas alguns rápidos segundos. Por instinto dei dois passos para trás preparado para o que estava por vir.

Nana disparou a flecha na direção onde estava Alexander a beira da piscina, porém foi parada no ar e estilhaçada, uma explosão de luz e poeira luminosa se espalhou no ar, fui obrigado a proteger meus olhos com ambos os braços e quando eu os baixei a poeira se assentava, o gato e os espíritos em forma de tentáculos erguiam-se como escudo.

– Ling! – exclamou Nana ao seu lado. – Os espíritos que seguem o gato o protegeram.

– Tch... – encarou nervosa olhando para eles. – Eu sei, a energia se dissipou, agora consigo ver eles... as magias de luz não conseguem penetrar nesse tipo de trevas.

Minha reação foi dar dois tiros em direção a muralha que os tentáculos formavam, porém atravessaram como tivessem passado por uma densa fumaça.

– Masahiro! – olhei pelo canto dos olhos, era Ling. – Armas mortais não afetam espíritos!

Suspirei e baixei a arma. Não havia maneira de ajudá-las. No mesmo instante o silêncio nos envolveu, nem o som do vento ou do movimento do gato, somente da minha respiração e um abafado bizarro como se todo o lugar tivesse virado uma sala a prova de som.

No meio das trevas que havia nos cercado e a direita da piscina, uma luz azulada quase translúcida atravessou dando forma a uma garota. Olhei para as duas e elas também permaneciam imóveis diante do fantasma, pude ver o balbuciar de Ling e claramente entender: Nathalie.

Os tentáculos abaixaram até penetrarem pelo chão de mármore sobrando só o gato e Nathalie vestida apenas com um vestido de alça curta um pouco mais opaca que o resto de seu corpo, mas da mesma cor.

Da piscina ergueu-se o corpo de Alexander que começou a tossir pela água respirada, estava fora de seu transe, seu corpo no ar a alguns centímetros acima da água, sendo alvejado pelo olhar furioso de Nathalie já na beirada da piscina.

Não sei quando e nem como, mas vi outra flecha do mesmo estilo anterior cortando o espaço na direção de Nathalie. O gato avançou para interceptá-lo e assim o fez, porém daquela vez a flecha foi absorvida antes de acertar o gato. Seus pelos se ergueram e seus olhos amarelos cintilaram de raiva. Percebia-se claramente que seu poder estava muito além daqueles espíritos que o cercava antes. Vendo que os ataques de Nana e Ling, não iriam surtir efeito, fiz a primeira coisa que me veio à cabeça.

– Nathalie! – gritei de alguns metros de distancia sem me aproximar. No mesmo instante ela lentamente virou seu olhar do corpo de Alexander que havia desmaiado para mim. – Você é tão bondosa assim a ponto de matar ele?!

Seu olhar se tornou ainda mais rancoroso, um brilho intenso por trás de seu corpo feito de luz azulada.

– Olha pra ele – disse apontando para Alexander. – Arrancou suas orelhas, furou seus próprios olhos com as próprias mãos. Fora os pesadelos que o levaram a fazer isso. Você não acha que matar ele é ter piedade? – dei dois passos em direção a borda da piscina. – Não acha que viver vai ser bem pior pra ele? Agora ele ta sozinho, sem pai, sem seguranças, sem família nem amigos... Morrer para ele vai ser o melhor que poderia acontecer.

É verdade que eu preferia todos mortos, mas naquele instante, naquele breve momento, queria que as coisas acabassem e que Nathalie descansasse tranqüila sem precisar se preocupar com o que havia deixado para trás. Dei mais um passo e estava muito próximo à beira da piscina, mais quatro, pensei.

– Você também já causou pavor em todos os que estavam envolvidos no seu caso, já foram expostos... – seu olhar era intimidador, porém sentia que de alguma forma Nathalie estava ponderando minhas palavras – não acha que já é o suficiente? O medo, os problemas, o terror e ódio com que todos vão ter que viver?

Eu a vi sorrir, era um sorriso amável que uma mãe da ao bebe assim que nasce. Fechou tranquilamente os olhos para mim e virou-se para Alexander que ainda pairava a alguns centímetros acima da água da piscina, quando abriu os olhos eles incendiaram de rancor.

Já estava próximo o suficiente da piscina e pulei. Não sabia se ia dar certo, mas precisava tentar fazer algo. Todo o tempo parecia ter reduzido de velocidade, meu salto em direção a Alexander foi lento, as batidas do meu coração subiram para as têmporas e eu as ouvia com um eco ensurdecedor. Uma batida, e estava me aproximando, duas batidas, estendendo as mãos, três batidas e as mãos quase estendidas. Mais alguns centímetros, ainda tive tempo de pensar quando senti mais um impacto sobre meu corpo, todos meus ossos e músculos se contorceram. Fui arremessado para o lado oposto da piscina caindo e rolando pelo chão até bater com as costas em um dos pilares que sustentavam a cobertura da churrasqueira.

Sentado com os pés e braços largados, sem força para me movimentar permaneci olhando enquanto o corpo de Alexander, que parecia estar mais distante do que realmente estava, se contorcia em uma espiral até que todos seus ossos rasgassem sua pele, a água da piscina tingindo-se da cor do sangue.

Tentei levantar um braço sem sucesso, olhei para eles estendidos ao longo do corpo, pareciam tão distantes quanto minhas pernas. Quando voltei para ver o que havia restado do corpo de Alexander, vi uma ponta preta se aproximando rapidamente, uma lança sombria cortando o ar vindo em minha direção, tentei mais uma vez levantar os braços para tentar me proteger, mesmo que fosse em vão, mas nem isso consegui. Fechei os olhos esperando pela minha morte.

Passaram-se alguns poucos segundos, e um clarão penetrou por minhas pálpebras, assim que o clarão se apagou abri os olhos. A lança de sombras havia se dissipado e fragmentos de luz pairavam do ar para o solo, virei para Nana que sorria soltando um suspiro de alivio, ela tinha conseguido interceptar a lança com uma de suas flechas. Ling corria em minha direção quando parou repentinamente, seus olhos arregalados e apontando para mim.

Pelo canto dos olhos a vi e me virei. Nathalie estava agachada na minha frente sorrindo, com a ponta dos dedos de uma mão acariciou gentilmente meu rosto, sua forma etérea era morna e transmitia uma calma aconchegante. Levantou-se mantendo seu sorriso olhando sempre para mim e, em um piscar dos olhos, desapareceu. O gato, já tranqüilo, virou-se fazendo pouco caso e partiu por entre as sombras que nos envolvia, enquanto as trevas o seguiram dando espaço para a luz alaranjada do final da tarde.

Os sons do vento acariciando as folhas das árvores e da grama reapareceram, pássaros cantavam na distancia, tudo parecia bem excetuando os corpos espalhados pelo chão e o de Alexander boiando na piscina de sangue. Não reparei quando Ling e Nana se aproximaram de mim estendendo seus braços oferecendo ajuda. Curiosamente me sentia melhor, como se todos meus ossos e órgãos que haviam sido deslocados pelos dois impactos tivessem voltado a seus respectivos lugares, pude me levantar sozinho.

“Nathalie,” pensei, não podendo deixar de soltar um sorriso.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Trevas da Luz - O Gato Perdido (PARTE 3)

Deviam ser umas duas da madrugada quando ouvi Nana entrar pela porta do meu quarto.

– Masahiro, algo aconteceu – falou com uma voz calma, mas me despertando de salto.

Pulei da cama e fui para sala com ela, depois servi dois copos com chá gelado da garrafa que deixávamos preparada na geladeira. Sentado na poltrona adjacente do sofá em que ela estava sentada, tomei um gole.

– O que foi? – perguntei. O chá gelado descia pela garganta despertando cada parte do meu corpo que ainda dormia.

– Não sei – respondeu um tanto transtornada. – Ling vai falar logo.

Busquei um cigarro no maço em cima da mesa de centro e acendi, depois me levantei e abri a porta da sacada. Chovia continuamente, porém não era pesada a ponto de chamar de tempestade. O ar fresco e úmido entrou na sala retirando o ar abafado e quente que havia se formado, o telefone tocou logo em seguida.

– Acordei vocês? – mais uma vez reparando em seu erro disse logo em seguida. – Esquece. Estou a caminho do hospital.

– O que aconteceu – ergui uma sobrancelha, ouvia o barulho do cantar de pneus no asfalto e do barulho da chuva, abafados porém audíveis. – Você está bem?

– Estou, mas nove garotos do caso, não.

– Hã? – ela conseguiu despertar a parte de mim que ainda insistia em dormir. Senti o coração bater e a tensão aumentar. – Do que você ta falando?

– Nove garotos do caso acabam de cometer suicídio. Estou indo para o hospital em que foram levados.

– Como?

– Não sei todos os detalhes, mas chamou a atenção o suficiente dos investigadores para eles mesmos me ligarem. Também estão a caminho do hospital.

Não consegui falar. Tudo que consegui pensar foi em um grande: “que diabos?”

– Eu ligo para vocês assim que descobrir o que está acontecendo.

Antes de desligar disse em uma voz sarcástica e baixa, porém audível.

– Agora sabemos porque eles viram o gato...

No mesmo instante que Nana ouviu o barulho do telefone voltando para o gancho perguntou:

– O que aconteceu?

– Nove das testemunhas cometeram suicídio.

Me peguei perguntando se agora seriam vitimas. Após um momento de silêncio ela continuou.

– E onde está o último garoto?

Boa pergunta.

– Boa pergunta – não tinha reparado nos números até então. – Ling foi para o hospital onde eles foram levados. Disse que ligaria assim que tivesse noticias.

“Vamos esperar,” não precisei pensar, Nana havia falado antes. Tomamos banho, não que precisássemos já que não fazia nem três horas desde que tomamos banho e fomos dormir.

Quando os primeiros raios de sol cruzavam o céu limpo e calmo após a chuva contínua da madrugada, olhei para o relógio de pulso que anunciava cinco e meia da manhã. A brisa fresca começou a ceder espaço ao vento abafado. Já havíamos nos trocado, Nana com uma calça jeans desbotada e uma camiseta regata que deixava a amostra uma parte da barriga, nada muito chamativo nem muito conservador a ponto de fazer passar calor. Eu já tinha o armário com roupas repetidas, calças esporte com vários bolsos, uma camisa de manga curta e a jaqueta de couro preta que tenho há anos.

Tomamos o café-da-manhã logo após eu ter trazido o jornal da caixa de correio. Como era nosso costume: ficar em silêncio até que terminássemos e eu lavasse a louça. E também, como de costume, perguntei:

– Algo de interessante no jornal hoje?

– Não e acho que você não conseguir ler o seu jornal hoje – disse com uma voz indiferente.

Quando ia pegar o jornal em cima da mesa de centro o telefone tocou, desta vez não foi preciso dizer quem era. Até eu já sabia quem seria.

– Preciso de vocês aqui, agora – disse Ling logo que coloquei o telefone na orelha. – Estou esperando no meu escritório.

Desligou antes que eu pudesse falar qualquer coisa.

Assim que passamos pela porta do escritório, fomos recebidos com ar fresco e barulho de motor. Ling tinha ligado o ar-condicionado e o ambiente estava tão agradável que fui hipnotizado até o sofá que ficava alguns passos de sua mesa de trabalho. Sentamos juntos, eu e Nana em um sofá, e no adjacente estava Ling com um cigarro aceso.

– O que descobriu? – perguntei assim que me ajeitei. Ansioso em saber o que estava acontecendo, pulei a parte do “bom dia”.

Ling deu um longo trago e permaneceu séria.

– Os nove garotos estão mortos, morreram pouco depois que eu cheguei no hospital – iniciou seu relato, seu tom inalterado. – Todos cortaram os pulsos e segundo seus pais falaram, praticamente todos no mesmo horário. O estranho é que permaneceram reservados a maior parte do tempo, é compreensível por causa do choque, mas...

Suspirou, apertando o topo do nariz com o indicador e o polegar, parecia cansada.

– Falaram que os filhos estavam tendo ataques de histeria. Acordavam no meio da madrugada gritando por causa de pesadelos, às vezes quando tudo parecia tranqüilo eles começavam a chorar e se encolher – olhou para minha cara e respondeu minha pergunta antes que a fizesse. – Quando pedi por detalhes e que coisas gritavam, é ai que ficavam mais reservados. Falaram que eram coisas estranhas e incompreensíveis, mas era evidente que estavam mentindo. Também não quis forçar agora, já que estavam todos em choque.

– E todos relataram as mesmas coisas? – perguntei após algum tempo.

– Sim – respondeu indiferente. – As respostas foram combinadas até de mais. São muitas coincidências para ser uma coincidência.

Apenas assenti com a cabeça.

– E quanto ao último? – perguntou Nana, sua voz penetrando no silêncio que havia nos envolvido.

Ling levantou um canto da boca, mas logo voltou a ficar séria.

– Logo depois de pegar todas as informações que podia no hospital fui para a casa do último suspeito. Como as fichas estavam com vocês, eu tive que perguntar para os investigadores e, além de saberem onde era a casa do garoto, já haviam pensado o mesmo que eu, então fui junto com um investigador até a casa que morava.

Acendi um cigarro e Ling acendeu seu segundo.

– Fomos recebidos com automáticas e uma ameaça de processo acompanhada de tiros se a primeira não fosse o suficiente. Mesmo o investigador se identificando os seguranças não permitiram nossa entrada. Foi então que o pai do garoto apareceu na porta, estava com olheiras profundas e escuras, seu olhar parecia sem rumo e exaurido de todas as forças. Primeiro pensei que o havia acordado, mas ninguém fica daquele jeito por falta de sono.

– Talvez estivesse doente – comentei levantando uma sobrancelha após um longo trago.

– Foi o que pensei logo depois, mas descobri que estava errada.

– Huh?

– Depois que o pai fez a mesma ameaça por trás de seus seguranças, o investigador foi buscar um mandato, mas você sabe melhor do que eu que o juiz não iria liberar tal coisa. Depois que o investigador foi embora deixei um cartão com o pai do garoto, não que eu tivesse muitas esperanças mas...

Cruzei as pernas mudando a posição que estava no sofá, assumindo uma posição mais ereta e mais confortável para minhas costas.

– Ele ligou pra você – afirmei antes que ela terminasse sua pequena pausa.

Ela, porém, balançou a cabeça abrindo um pequeno sorriso de vitória, mas tão rápido quando venho, o sorriso partiu.

– Ele veio pessoalmente até aqui... e estava chorando.

Não pude deixar de fazer uma cara de surpresa e, olhando pelo canto do olho, percebi que Nana inclinara sua cabeça para o lado curiosa. Ling reparou na nossa mudança e apagou seu cigarro ainda pela metade, retirou outro do maço em cima da mesa de centro e acendeu. Sua expressão era vazia.

Ling contou que assim que o pai do último garoto vivo entrou em seu escritório, passou bastante tempo sentado, hora chorando, hora em silêncio e logo as lágrimas voltavam a escorrer por seu rosto. Seu nome era Anderson, pai de Alexander. Finalmente depois de conseguir forças, ou talvez exatamente por falta delas, começou a falar.

Anderson disse que todos os pais, de todos os envolvidos no caso da festa onde somente as garotas morreram, eram culpados por um crime que encobriram há muito tempo atrás, um encobrimento que foi discutido com cada um dos pais de cada filho e filha que estavam presentes no crime.

A garota se chamava Nathalie, ele já não se lembrava de seu nome completo. Ela havia ingressado no colégio como bolsista devido suas boas notas e um currículo exemplar. Coisas assim não costumam acontecer no Brasil, somente em algumas poucas exceções isso acontece, Nathalie era uma delas, chamou a atenção por um artigo em uma revista de noticias famosa aqui de São Paulo, nem eu, nem Ling ou Nana vimos essa matéria, porém a diretora do colégio sim e se interessou pela garota oferecendo uma bolsa completa para o colégio assim que ela terminasse o fundamental.

Isso aconteceu a menos de dois anos, foi no final do primeiro ano de colégio dela. Nathalie, apesar de suas notas, tinha problemas em se relacionar com outros alunos, isso até o final no primeiro semestre do primeiro ano. No segundo semestre seu histórico se revelara para os alunos, não se sabe como, mas acabaram descobrindo que o pai de Nathalie havia a abandonado e sua mãe se prostituído para pagar as contas e a educação da filha.

No inicio todos foram amigáveis, o grupo de doze garotas e dez garotos formava a típica panelinha de amizade que incluíram Nathalie nesse período. Anderson sabia que seu filho não era nenhum cidadão exemplar, mas também não podia imaginar que ele podia chegar tão longe ao ponto de fazer o que fez. Talvez nenhum pai poderia imaginar.

Um dia em uma festa de final de ano, como a que aconteceu na que veio a se tornar a desgraça, convidaram Nathalie. A festa foi na casa de seu filho Alexander enquanto ele – o pai – viajava a negócios e sua esposa havia falecido quando Alexander ainda era criança, então além da empregada, do motorista e de dois seguranças, a casa estava livre para a festa.

A casa dele tinha um grande quintal com mato, piscina e churrasqueira no fundo que era cercado por enormes muros. Obviamente a festa começava a noite e iria durar até a madrugada, nada muito diferente das festas de jovens da mesma idade. Também não sejamos inocentes, havia muita bebida alcoólica ali.

Todos bêbados, exceto Nathalie que não bebia. Sob o efeito do álcool começaram a revelar o passado de Nathalie a ela, o que a fez estremecer. Não só isso; os garotos, que naquele instante nada tinham de garotos, revelaram suas intenções. Talvez por curiosidade e impulsionados pela embriaguez, consolidaram seu plano. Embeberam Nathalie e a estupraram, um a um, enquanto as outras assistiam com fervor.

Nathalie não se lembrava como saiu de lá, mas lembra-se da crueldade e da dor até que o efeito do álcool começasse a surtir efeito sobre seu corpo e sua mente, fazendo tudo ficar distante e dormente.

– Espera, estamos falando de garotos de quinze ou dezesseis anos – disse após o relato de Ling Wei. Fazendo as contas das idades. – Não acha que isso é bastante fantasioso?

Ling ergueu uma sobrancelha me olhando torto.

– Masahiro... em que época você vive? – coçou a cabeça. – Você é puritano?

Desta vez quem erguei a sobrancelha fui eu. Ling olhou para Nana com um ar travesso, porém ela permanecia imóvel, atenta a nossa conversa.

– Errr... – suspirei. – E a garota não fez nada?

– Claro que fez – voltou-se para mim novamente séria. – Falou primeiro com a diretora do colégio. Talvez ela não quisesse envolver a mãe no assunto, não tenho certeza.

– E?

– Quem você acha que avisou os pais de cada aluno e aluna que estavam envolvidos na acusação da Nathalie?

– E eles? – a ficha caiu no momento em que fiz a pergunta. – Encobriram tudo.

Ling assentiu. Meditei sobre o assunto um pouco, faltava uma coisa.

– E a diretora do colégio? Os pais deles a forçaram encobrir tudo?

O olhar de Ling subitamente se tornou severo e frio. Senti uma onda de raiva e de anseio nele.

– Foi ela quem deu a idéia de encobrirem tudo.

Com essa até Nana se surpreendeu em seu canto do sofá, mesmo sem brilho seus olhos pareceram perturbados. O barulho do ar condicionado ecoou pela sala quieta, enquanto Ling servia chá para todos e, ao se sentar, acendeu um cigarro aguardando.

– Isso não faz sentido – falei à medida que fui pensando. – O que a diretora ganha com isso?

Ling olhou pelo canto dos olhos.

– Você não percebe? – perguntou entre um trago e um gole do chá. – Que tipo de impacto teria para o colégio se anunciassem que um dos colégios mais bem conceituados de São Paulo e um dos mais caros, tem aluna de origem humilde que foi chamada para estudar lá, estuprada por alunos, filhos de homens e mulheres de grande influência. E ainda o que seria para seus pais se isso viesse a tona, alguns são juízes renomados, não só aqui como no Brasil inteiro – deu um trago. – Além dos donos de empresas multinacionais, tenho certeza que os jornalistas morreriam por uma noticia dessas.

Suspirei pelo absurdo e mais outra vez pela indignação.

– Por que ela não levou o caso a policia? – na mesma hora me toquei. – Esquece... péssima idéia – pensei um instante. – Enquanto a mãe dela?

A única pessoa que sobraria para ela recorrer seria a mãe. Quando tudo falha, geralmente optamos pelo auxilio da família, exceto quando não temos... olhei para Nana quieta e atenta como sempre, voltei para Ling.

– Claro que ela foi falar com a mãe.

– E então?

– Um dos envolvidos subornou ela com uma quantia enorme de dinheiro.

– E ela aceitou?! – exclamei mais surpreso do que indignado.

Ling soltou um longo e pesado suspiro.

– Masahiro... não podemos questionar muito bem a moral dela. Além de serem mais humildes, chantagearam ela. Disseram que a filha perderia a bolsa do colégio já que não seria algo muito bem visto pelas pessoas uma aluna ter uma mãe que se prostitui – cruzou os braços. – A mãe devia amar muito ela por se submeter a isso, ou talvez quisesse sofrer de alguma forma para compensar o que a filha sofreu. Em todo caso acredito que tenha feito isso pensando que estaria evitando o mesmo futuro que o seu para sua filha.

Afundei no sofá apoiando a nuca no topo do encosto e vendo o teto com manchas de umidade e pedaços da tinta descascando, fechei os olhos e respirei fundo.

– Então tudo isso foi por causa de imagem? – perguntei ainda de olhos fechados.

– Para maioria que vive no mundo de hoje a imagem é tudo – pronunciou em uma voz seca. – Vivemos por trás de mascaras criadas por nós, escondendo aquilo que negamos ser, escondendo quem somos. Estamos em um mundo onde se leva décadas para construir algo e apenas alguns segundos para destruir.

Levantou-se e caminhou para as janelas atrás de sua mesa, olhou alguns instantes pela armação antiga de vidro sem se virar, eu por outro lado precisei colocar meu corpo de lado no sofá para vê-la. Ouvia ocasionalmente o som de um carro passar.

– Uma mascara para sociedade, uma mascara para família, uma mascara para esconder-se de si mesmo. Com o tempo essas pessoas perdem sua identidade e passam a viver em um mundo de imagens, de ilusões; e no caso de muitos, ilusões muito caras – baixou as persianas retalhando os raios de sol do inicio de tarde. – E quando o império treme, ou deveria dizer suas mascaras ficam próximas de caírem, preferem prejudicar outros a ter que abrir mão de sua imagem perante outros. De uma forma ou de outra não suportariam ver seu próprio reflexo diante de um espelho.

– E você acha que manteriam suas mascaras até com a morte de seus filhos? – perguntei erguendo uma sobrancelha.

– Tch – virou-se e voltou para onde estava sentada no sofá. – Precisam manter as aparências de família ideal, e mesmo quando tudo está ruim, preferem manter o sorriso no rosto e as informações controladas. – Olhou para sua xícara de chá vazia e fez uma careta. Buscou outro cigarro em seu maço e acendeu assim que o encontrou. – Seus filhos acabam se tornando um reflexo das aparências, achando que estão acima de qualquer coisa, quando na verdade são seus pais que acabam tendo que lidar com as sujeiras deles e no fim quem sai prejudicado são os que menos têm envolvimento.

– ...Nathalie – murmurei.

– Exato – confirmou Ling com o cigarro aceso entre os lábios.

– O que aconteceu com ela?

– Se matou – respondeu após soltar um trago.

No mesmo momento um frio percorreu minha espinha e me inclinei em direção a ela, surpreso. Ela apenas assentiu com um aceno de cabeça e de olhos fechados.

– Cortou os pulsos durante a madrugada.

Ficamos em silêncio, mergulhado na penumbra dos raios de sol cortados pelas varas da persiana. O ar condicionado parou quando a temperatura atingiu a qual estava programado, deixando o silêncio mais mórbido e um zunido em nossos ouvidos. Lembranças de que uma vez o ar estava ligado e que logo seria esquecido, assim como acreditavam com o caso de Nathalie. Fechei os olhos.

– E esse Alexander? – perguntei de repente, obedecendo a um reflexo da mente. Abri os olhos rapidamente. – Por que não cometeu suicídio?

Ling deu de ombros.

– Anderson acredita que seu filho foi quem deu a idéia da festa e do que iriam fazer com Nathalie – virou-se para Nana e suspirou de boca bem aberta. – Talvez seja verdade, talvez o pior ainda esteja por acontecer...

– Se for assim por que você não avisou ele? – perguntei atônito

– Avisei, disse que não iria trabalhar hoje, além disso parece que ele contratou mais seguranças – coçou a cabeça com a ponta dos dedos. – Acho que ele não iria aceitar muito tranqüilo se eu falasse que um gato invisível vem pra matar o filho dele...

Ela tinha razão nesse ponto.

– Falando nisso – lembrei-me. – Duas coisas que eu não entendo. A primeira é porque agora? Se faz quase dois anos que isso aconteceu.

Nara e Ling se viraram para mim como se eu tivesse levantado um tópico inesperado. Nenhuma delas havia pensado nisso.

O escritório começava a esquentar novamente, algumas gotas de suor começavam a brotar da minha testa. Olhei em volta procurando pelo controle do ar condicionado, já que as duas pareciam procurar respostas para o problema inesperado.

Entretido na busca por baixo de uma pilha de papéis sobre a mesa de centro, Nana levantou bruscamente a cabeça, chamando a minha atenção e a de Ling.

– Uma energia muito forte atravessou o nosso plano.

Arregalei os olhos franzindo a testa e olhando para Ling. Um grande ponto de interrogação em minha cara. Quando Ling ia dizer algo o telefone sobre sua mesa tocou. Levantando-se de um salto ela foi atender.

– Alo? O que?! Quando?! Estou indo pra lá agora!

Desligou o telefone em uma batida, pegou sua bolsa e falou enquanto corria para porta:

– O Alexander tentou se matar. Estão levando ele para o hospital agora – pegou a chave o carro sobre uma pilha de livros próxima a porta. – Mexam-se!

Nos levantamos em um salto seguindo Ling para fora do escritório apressados até o estacionamento.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Andross Editora

Para todos aqueles que não sabem, a editora Andross é uma editora que seleciona contos, poemas, cronicas e afins para publicar em antologias, afim de promover o nome de novos autores.
Esse ano a editora vai lançar vários livros dos quais qualquer um pode participar enviando seus contos, poemas e afins.
Aqui vai o release:


ANDROSS EDITORA SELECIONA TEXTOS DE NOVOS AUTORES

A Andross Editora está organizando sete antologias a serem publicadas ainda em 2009. Escritores interessados em participar da seleção já podem enviar seus textos. São vários gêneros literários (poemas, contos, crônicas e microcontos) de temáticas diferentes - de humor a suspense.
Podem participar autores iniciantes ou com obras já publicadas. O regulamento e instruções para envio dos textos estão disponíveis no website da editora: www.andross.com.br.
Veja a lista dos lançamentos da Andross Editora para este ano:


1. Palavras Veladas – Antologia de poemas
2. Risos de Papel – Contos e crônicas de humor
3. Dias Contados – Contos sobre o fim do mundo
4. Dimensões.Br – Contos de literatura fantástica no brasil
5. Histórias Liliputianas – Antologia de microcontos
6. Marcas na Parede – Contos sobrenaturais, de suspense e de terror
7. 2054 – Contos futuristas (histórias que se passem no ano de 2054)



Sobre a Andross

Com quatro anos de mercado e mais de 33 títulos publicados, a Andross Editora iniciou as atividades com obras acadêmicas, cresceu e se manteve no mercado graças a um modelo de negócio diferenciado: a publicação de antologias. Por este sistema, a editora já publicou mais de 780 autores de 13 a 68 anos, do ensino médio ao doutorado, amadores e profissionais. Alguns dos que estrearam nas antologias da Andross hoje têm obras publicadas individualmente por outras editoras.


E para quem não sabe. Eu tenho um conto no livro de antologia chamado "Entrelinhas". O nome do conto chama "Dia dos Namorados".
Quem quiser pode comprar pela livraria cultura no site deles:
Link Aqui

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Trevas da Luz - O Gato Perdido (PARTE 2)

Já era final da tarde quando entramos no apartamento. Nana começou a preparar o jantar com sua destreza sobrenatural enquanto eu sentei-me no sofá e vi as fichas de cada pessoa que estava na festa, sem saber exatamente o que procurava.

Abrindo elas aleatoriamente percebi que todos tinham a mesma faixa de idade, de dezesseis a dezoito anos, filhos ou filhas de pessoas da alta classe social, como advogados, juízes, presidentes, donos de negócios e coisas do gênero que abrangiam São Paulo e às vezes por todo território brasileiro, tinham até os de gênero internacional.

Pelas fichas terem sido feitas em cima do caso, muitas informações foram vagas e outras até reservadas. Por exemplo, um pai que é dono de um negócio multinacional, não mencionava nome da empresa ou que tipo de negocio era. Pensava haver algum padrão do tipo que a informação foi reservada somente pelos pais das garotas que morreram, porém isso se mostrou falso.

O cheiro da comida saía da cozinha e enchia a sala onde estava que era adjacente a ela. De todas as coisas, por mais trivial que pareça, o que mais me surpreendia sempre em Nana era sua habilidade na cozinha. Não me surpreendia quando ela sabia algo que eu estava pensando, ou eu alguém estivesse por vir, nem mesmo quando respondia alguma pergunta antes dela ser feita; mas quando se tratava do que ela fazia para comer, não conseguia deixar de me espantar com tamanha aptidão.

Deitei no sofá olhando para a mesa onde fazíamos as refeições, encostada na parede que dividia a cozinha da sala. Uma pilha de cadernos e livros em um canto.

Cadernos e livros. Tive um estalo e imediatamente liguei para o escritório da Ling. Após algumas chamadas caiu na secretária. Em seguida liguei par o celular que ela o atendeu quase de imediato.

– Ling Wei – anunciou ao atender.

– Masahiro.

– Oho – não pareceu tão surpresa em saber que era eu. – O que quer?

– A escola em que eles estudavam.

– Huh?

– Ninguém falou em que escola eles estudavam, todos eles – afirmei passando o olho pelas fichas abertas sobre a mesinha de centro. – Muitas informações também ficaram bastante obscuras aqui.

Houve uma pausa de alguns segundos do outro lado da linha, durante o silêncio pude ouvir alguns telefones tocarem e o murmúrio de várias pessoas. “Onde ela estará,” fiquei pensando nesse intervalo de tempo.

– Hummm... – começou depois de concluir sua reflexão. – Não é de se surpreender que, quem quer que fosse o responsável por preencher a ficha das testemunhas e vitimas, tivesse que omitir algumas coisas. Muitos têm medo de sua segurança, principalmente depois de ter a filha, ou amiga do filho, mortas em uma festa em um condomínio bastante seguro... – mais um momento de silêncio. – Pode ser que você tenha achado algo interessante. Por sorte estou com os investigadores aqui, vou ver com eles e já te informo.

Desligou antes que eu pudesse agradecer ou fazer qualquer comentário.

Nana serviu a janta e eu transitei do sofá para a cadeira na mesa de jantar, a mesma que estava antes de fazer a ligação.

– O que você acha? – perguntei para ela entre uma garfada e outra.

Ela levantou a cabeça e seu olhou direto em meus olhos, seus olhos verdes esmeraldas eram lindos, porém sem brilho ou profundidade que indicava qualquer sinal de visão. Não eram brancos ao contrário do que a maioria poderia pensar, o que deixava que ela andasse sem óculos escuros.

– Você está preocupado comigo?

– Sim... digo... Eu prometi que iria ajudar você...

Balançou a cabeça com um sorriso, pousou seu garfo e faca no prato, e depois colocou seus braços por baixo da mesa. Era seu costume de quando conversava com alguém, manter essa postura ereta com as mãos juntas sobre as coxas.

– E você está me ajudando – disse com uma voz tranqüila e amável. – Mesmo agora.

– Mas esse caso...

Balançou a cabeça mais uma vez me interrompendo, um sorriso se formou em seus lábios finos.

– Eu não me sentiria confortável em ver você deixar de ajudar os outros por minha causa, especialmente Ling Wei que nos ajudou tanto desde que nos conhecemos – colocou uma mecha de seus longos cabelos castanhos e lisos atrás da orelha. – E eu também acho que a cada passo que damos juntos, nós três, sinto estar um pouco mais perto de descobrir os responsáveis pela morte das pessoas do meu clã.

Soltei um suspiro e não pude deixar de sorrir para a força e a tranqüilidade que ela conseguia assumir, mesmo se tratando de seu passado violento.

Continuamos a jantar em silêncio enquanto do lado de fora, pela porta da sacada que permanecia aberta, os últimos raios de sol formavam uma penumbra dentro da sala dando um ar melancólico e nostálgico enquanto a olhava entre uma garfada e outra.

– Masahiro... – disse olhando para mim. – Obrigada.

Me espantei mas de imediato sorri.

– Hum.

O telefone tocou logo após a janta enquanto Nara retirava os pratos.

– É Ling – disse ela enquanto se levantava com os pratos e copos sobre eles.

Levantei-me e atendi o telefone.

– Novidades? – perguntei logo após colocar o fone na orelha.

– E como sabia que era eu? – respondeu com uma outra pergunta e logo completou. – Ah! Deixa pra lá... hihihi.

Pelo som abafado que fazia deduzi que ela já estava em seu escritório. Algo que não sabia sobe Ling era onde ela morava, sabia onde ficava seu escritório assim como sabia que dormia às vezes lá. Como se soubesse meus pensamentos ela continuou.

– Estou no escritório agora e gostaria que vocês dessem uma passada aqui.

– Estamos a caminho.

Quando ia desligar ouvi uma exclamação do outro lado da linha.

– Ah! E podem me trazer alguma coisa para jantar? Ainda não jantei.

– Erm... – e essa era a Ling, de um lado fria e séria, de outro cabeça-de-vento e animada. – Claro.

Coloquei o telefone no gancho e assim que me virei para a porta da cozinha Nana saiu com dois potes nas mãos sorrindo.

Suspirei e sorri também.

– Vamos para o escritório – disse indo pegar minhas coisas.


Nuvens escuras começaram a cobrir o céu de verão, uma fina garoa ameaçava se tornar uma forte tempestade assim que os brilhos de raios começavam a percorrer pelo céu. Pelo menos o tempo tinha esfriado um pouco e a jaqueta sobre o coldre de ombro não incomodava tanto quanto havia me incomodado durante a tarde de calor escaldante.

O escritório de Ling ficava em uma das quadras obscuras da avenida paulista. Ela havia comprado um pequeno prédio de três andares, tão velho que parecia estar presente desde a formação da região. O acesso ao prédio era feito por uma porta pequena e estreita ao lado de um bar sobre o qual os três andares superiores se sustentavam. Ling também havia comprado o bar e feito dele um estacionamento para seu carro que deveria ter custado mais que o prédio inteiro.

Subimos as escadas mal iluminadas até o primeiro andar onde ficava o escritório bagunçado e abarrotado de papeis, livros, pergaminhos e outras relíquias pelas quais um colecionador ou curador de um museu cortaria seus pulsos para tê-los.

– Oh! – exclamou assim que nos viu passar pela porta. – Jantar da Nana! Eu fui abençoada! – disse excitada ao ver os potes que eu carregava.

Após arranjar um milagroso espaço sobre sua mesa completamente bagunçada e abrir os potes sentindo a fragrância ainda quente do jantar de Nana, prosseguiu com aparência séria:

– Masahiro – começou levantando levemente o canto da boca, travessa – você realmente encontrou algo muito interessante aqui.

Não pronunciei palavra alguma esperando que ela continuasse.

– O colégio que eles estudavam realmente é o mesmo.

– E os investigadores não notaram isso? – perguntei atônito, era algo bastante óbvio de se ver.

– Notaram. No entanto pelo que me informaram, o próprio colégio barrou as investigações deles – revelou dando uma garfada. – É claro que eles não deixaram passar e exigiram que o colégio desse as informações, mas além da reitoria do colégio, seus superiores mesmos proibiram qualquer um envolvido no caso de envolver o colégio no meio – Nana serviu chá para Ling e sentou-se do meu lado da mesa. Ela conhecia o escritório quase tão bem quanto conhecia nosso apartamento. – Obrigada – voltou-se para mim. – É claro que os investigadores ficaram indignados, além de todas as vitimas e suspeitos serem alunos do mesmo colégio, as informações que eles queriam não era de forma alguma confidencial.

– E fizeram alguma coisa? – perguntei cruzando as pernas e acendendo um cigarro.

– Claro, tentaram encontrar outros meios de conseguir a informação, até que um os investigadores foi afastado do caso. Logo os outros pararam e seguiram outro caminho.

– Que caminho? – questionei mais por minha curiosidade.

– De que eles agora estavam literalmente sem nada e sem poder avançar por pressão de superiores. Do outro lado sofriam pressões dos pais para que prosseguissem com a investigação.

– Isso é estranho... – murmurei. Então tive um estalo. – Os pais de algumas das vitimas e dos suspeitos eram juízes. Eles não chegaram a interferir?

– Pelo contrário, Masahiro. Eles mesmos insistiram para que não envolvessem o colégio na investigação.

– Mas... por quê?

Ling suspirou dando sua ultima garfada e ela mesma acendendo um cigarro.

– Ninguém sabe o motivo – e após um trago. – Como você disse: estranho.

Ninguém falou por algum tempo. Não era algo somente estranho, era também completamente conflitante.

– No entanto... – Ling rompeu o silêncio com certa alegria em sua voz. – É de mim que estamos falando! – um sorriso misterioso se formou. – Conversei com algumas dessas pessoas que deram a ordem de que não deveriam envolver o colégio no meio dessa investigação.

– E?

– Nada.

Assim como no café em que estivemos à tarde, quase cai da cadeira. Vi ela sorrir, para minha felicidade estava escondendo algo.

– Por mais que insistisse, não queriam passar qualquer informação, chegaram até a me ameaçar de processo e prisão por me envolver em assunto policial sem autorização – deu de ombros. – Mas de uma coisa é certa: todos com quem comentei sobre o colégio ficaram bastante desconfortáveis.

– O colégio é suspeito então – minha voz ficou entre uma pergunta e afirmação.

– Não sei – respondeu com um sorriso largo apagando seu cigarro em um cinzeiro abarrotado de pontas. – E é ai que vocês dois entram.

Olhei para Nana, ela ficou apenas em silêncio esperando o que estava por vir.

– Segundo os investigadores, nenhum dos responsáveis pelo colégio liberou informações. Pra mim todos os lados estão com medo de alguma coisa.

– Medo? De que?

– Não faço idéia – olhou para Nana que pareceu perceber e acenar negativamente.

Cocei a cabeça, se nem ela sabia... olhei o cigarro que queimara até o filtro. Acendi outro.

– E o que você quer com nós?

– Nós três na realidade – disse. – Quero saber o que tem naquele colégio e tudo que eles têm sobre os alunos envolvidos.

Continuei ouvindo.

– Vou arranjar a papelada necessária para conseguirmos entrar.

– Lembrei de uma coisa... – falei antes que ela prosseguisse. – Que tipo de colégio estamos falando?

– Ah! É verdade, vocês não sabem – cruzou os braços encostando-se a sua cadeira de escritório. – É um colégio dos mais caros de São Paulo onde só a elite entra. Não apenas isso, mas o nível de ensino é bastante alto.

– Tudo bem... e precisamos da papelada por que?

– Seremos um casal vindo da Europa com uma importadora em extrema ascensão e queremos que nossa filha Nana estude lá.

A isso até Nana franziu a testa ao meu lado.

– Com certeza a diretora vai querer confirmar nosso histórico, então vou dar um jeito nisso. Pode deixar – disse com convicção. – Só vou precisar de alguns dias.

– Erm... – cocei a cabeça. Aquilo parecia um exagero de espionagem. – Por que não falamos com os dez sobreviventes? – ainda com a mão na cabeça a olhei transtornado pela idéia. – É menos invasivo – complementei o pensamento.

Desta vez foi Ling quem coçou a cabeça.

– Vai ser difícil se aproximar deles. Além dos seguranças, até mesmo a polícia deixou de interrogar eles.

– Por quê? Se eles não falam com os sobreviventes, que caso a policia tem?

– Exato – disse em um estalo. – Os investigadores praticamente desistiram, não sabem mais o que fazer. A comoção ficou entre os superiores da investigação, mas é como eu disse... esses não querem falar coisa alguma.

– Que complicação – murmurei massageando as têmporas. – Podemos tentar enquanto você consegue os documentos para entrarmos no colégio.

Ela pensou por um instante, mas foi Nana que disse.

– No entanto se conseguirmos falar com eles e depois visitarmos o colégio, pode ser arriscado que alguém nos reconheça.

– E com certeza o pessoal do colégio e todos que estão envolvidos no que quer que seja já devem estar mais alertas com todas as perguntas que andei fazendo – completou Ling concordando com acenos de cabeça.

Nana tinha razão. “Mas poderemos fazer isso depois se não descobrirmos nada no colégio.” Foi o que eu não disse, supostamente todos automaticamente pensaram nessa segunda possibilidade.

Ling agradeceu o jantar e disse que passaria a noite no escritório arranjando as coisas para a nossa pequena espionagem. A chuva começava a cair quando saímos.