segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Duas Luas - Oito

Por onde as mãos de Akari deslizavam no ar, de suas unhas rastros de luz surgiam como lâminas de vento extremamente finas, dilacerando os vultos no saguão da empresa. Porém eles eram tantos que vez ou outra algum chegava perto dela deixando um profundo corte.

– Então os cortes de antes... – murmurei para mim mesmo olhando-a da entrada.

Sem saber lutar, não podia fazer nada naquela situação, em minha mão dentro do bolso eu apertava o canivete, preparado para o pior.

Os movimentos de Akari eram como uma dança suave e delicada, seus ferimentos pareciam pouco incomodá-la. Mesmo em meio a dança nas trevas, sua luz se apagava. Haviam mais sombras do que ela podia conter e não demorou para que algumas viessem em minha direção, sedentos por sangue – ou talvez por minha alma.

– Du!!! – Akari virou-se ao perceber que vinham em minha direção, mas era tarde de mais. Mesmo com seus movimentos rápidos de felino não era possível se proteger e me proteger ao mesmo tempo.


– Oho... seres mal educados... – a voz irônica que conhecia tão bem penetrou as trevas.

No instante seguinte um circulo luminescente cheio de entalhes surgiu a minha frente, de dentro dele feixes de luz cortaram a escuridão que tomava a sala, penetrando em todas as sombras.

– Yumei? – balbuciei.

– As almas daqueles sacrificados em troca da vida eterna são bastante inquietos – Yumei disse para ninguém em especial. – Não se pode culpá-los. É preciso reconhecer o território de outros... – virou-se para mim – Não é, Du?

Parado em frente a ela, permaneci em silêncio sem compreender. Então eu estava fazendo reconhecimento de território? Pensei.

– Quem é você – perguntou Akari no que pareceu um rosnado agressivo.

– Oho, acalme-se, não estou aqui para tirá-lo de você – disse Yumei com sarcasmo. – A lua não está aqui, sacerdotisa. Não mais.

Akari não pode esconder seu rosto de espanto. Aparentemente ela estava procurando pela lua há algum tempo naquela região. Descobrir que todos seus esforços foram em vão, principalmente após todos aqueles ferimentos, não era fácil.

– Ela estava aqui, mas um poder como o dela não pode ser controlado por um mago tão inferior como o dono desse lugar – disse passando por nós a passos vagarosos. – Após centenas de anos usando sua magia para sacrifícios, ninguém consegue manter a mesma energia.

– Você... é uma Magi...? – perguntou Akari de olhos tão arregalados quanto os meus na primeira vez que vi Yumei usar sua magia.

– E você é uma sacerdotisa – disse como se fosse algo óbvio. – Não se preocupe, eu só estou interessada em encontrar a lua, não quero usar seu poder.

Parou e virou-se para nós, seu olhar frio provocou um calafrio em minhas espinhas.

– No entanto, eu me preocupo com o garoto ao seu lado.

Eu e Akari nos entreolhamos, aquilo era novo para mim também. Nunca tinha ouvido algo do gênero vindo de Yumei.

– Du, leve a sacerdotisa para o escritório – virou-se novamente e voltou a andar em direção aos elevadores. – Eu tenho uma reunião com o dono dessa empresa. Infelizmente acredito que você seja demitido no processo – disse para mim olhando por cima do ombro, o canto de seu lábio levantado em ironia.

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Duas Luas - Sete

– Oho – disse Yumei em um tom irônico do outro lado da linha – Então finalmente chegou o momento.

– Huh? – cocei a cabeça por cima do celular.

Cheguei em casa com dois pratos congelados que comprei no supermercado, mas Akari não estava em lugar algum. Não era de se espantar, ela devia ter seus próprios assuntos para resolver. Cocei a cabeça novamente com o pensamento.

Quais tipos de assuntos teria uma luz da Lua?

– Ainda está ai? – Yumei perguntou curiosa. – Kin?

– Já disse que não gosto desse apelido.

– Oh... Eduardo então?

– Acho que esse nome já não me é mais necessário.

– Então Kin será! – disse alegre, mais alegre que qualquer um deveria ficar com algo tão banal como aquele apelido. – Um nome é algo muito poderoso, Kin. Ele não apenas define uma pessoa como lhe da todo o poder concebido pelo nome. Aquele que não possui um nome, não possui uma identidade, sendo desconhecido pelos outros acaba desconhecido por si mesmo. De qualquer forma, esteja preparado para hoje a noite.

– O que vai fazer?

– Ora... é a noite em que os gatos e bruxas saem, não é? – mesmo não a vendo, podia enxergar sua imagem deitada sobre sua cama piscando um olho e sorrindo ao pronunciar tais palavras.

Antes que pudesse responder, ela já tinha desligado. Guardei o celular no bolso e esquentei meu prato. Passei o resto do dia lendo tranquilamente, sem qualquer sinal de Akari ou do chefe, filho do chefe, ou seja lá quem fosse.

Quando anoiteceu me preparei.

Uma coisa que nunca gostei é de armas. Armas atraem problemas, independente de você a carregar para proteção ou para agressão, somente o fato de estar carregando uma é o suficiente para atrair problemas. As pessoas olham para você de uma forma diferente, estranha, desconfiada. Sei que parte disso é psicológico, porém há uma grande parte que envolve a ligação entre os espíritos dos seres humanos. Alguns chamam de sexto sentido, algo que somente algumas pessoas possuem. Yumei, contudo, diz que todo ser humano possui um sexto sentido, a diferença que existem pessoas mais sensíveis, outras mais suscetíveis, outras que descobrem tardiamente na vida e outras que apenas o ignoram por medo. Talvez carregar uma arma escondida ative um fragmento esquecido desse sexto sentido. Essa é, pelo menos, a parte espiritual que vejo para os olhares desconfiados que as armas atraem.

Em todo caso, a única arma que tinha para me defender era um canivete de lâmina longa dobrável. Não sendo uma arma de fogo já me fazia feliz. Yumei havia me dado como proteção, disse que a lâmina foi feita com um material especial e que foi encantada por runas. De fato haviam muitos desenhos entalhados e emitiam um brilho estranho.

Guardei o canivete no bolso da minha jaqueta esperei a ligação no celular. Não seria a primeira vez que fazíamos isso, por isso já sabia a rotina. Meu celular tocou um pouco antes da meia noite, uma vez apenas e em seguida calou-se. Estava na hora.


O que encontrei foi muito estranho, a entrada do prédio em que trabalhava estava aberta, mesmo o horário de fechamento tendo passado há horas atrás, a entrada estava aberta como se estivesse de dia. As luzes estavam acessas, mas ninguém na recepção, nem mesmo um segurança. Olhei em volta, ninguém. Nem nas ruas, nem no prédio. Parecia haver entrado em um lugar isolado.

Ao entrar, sombras começaram a percorrer as paredes e gemidos ecoaram pelo grande salão.

– São espíritos que foram aprisionados nessa caixa – a voz de Akari surgiu atrás de mim.