segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Pequeno

Essa noite, pela terceira vez tive o mesmo sonho: o céu estava negro, coberto por nuvens tingidas de diferentes tons cinza que não me faziam sentir nem um pouco confortável por tê-las sob minha cabeça. Algumas gotas de chuva tingiam o chão e molhavam meus cabelos. Não ouvia a voz do vento. Seguia em frente pela rua que se esqueceram de nomear e me preparei para descer a mesma ladeira da Rua General Chagas Santos, que desço todos os dias.
Nenhuma lâmpada emanava um fio de luz sequer, o negrume do céu fazia eu me sentir como se estivesse caminhando de olhos fechados. Meus passos eram vagarosos e firmes; tinha medo de escorregar e rolar até que algum muro me segurasse em seus braços, já inconsciente. No primeiro cruzamento com a Rua Estero Belaco nenhum carro passou, nem os cachorros da casa nº 306 latiram, como fazem habitualmente ao sentir minha presença.
A chuva apertava. Comecei a ouvir o sussurro do vento, zunia em meus ouvidos. Cruzei os braços, colocando as mãos sobre as axilas para esquentá-las e não me sentir tão sozinho. O ar estava seco e parecia escasso. Apertei o passo para chegar logo à minha casa. Respirava pela boca. Por alguma razão meu corpo estava quente e conforme expirava uma pequena cortina de fumaça surgia na minha frente.
Alguns metros da minha casa, uma lâmpada, de um único poste de luz, começou a piscar; clareando um pouco o caminho que restava. Olhei para luz e notei que ela iluminou um gigante de concreto, de 20 andares, que me observava e provavelmente me acompanhou durante toda a descida.
Era um edifício cuja construção fora paralisada por conta da crise imobiliária que assolou o país no ano de 2010. Antigamente o edifício simbolizou a promessa de um futuro melhor para algumas famílias que, mas agora é apenas um bloco esquelético e imenso de concreto protegido por infindáveis pedaços de pano que o cobrem como se fossem um véu.
Enquanto o encarava, o vento erguia os trapos que o cobriam, como se o noivo erguesse o véu para beijar a noiva. Senti pena de tudo que ele poderia ter sido com a sua construção. Agora não resta nada senão o vazio.
Subitamente, um estrondo ensurdece meus ouvidos e um raio atinge algo atrás do gigante, sua expressão se modificou. O vento soprava mais forte. O que antes parecia um véu agora se movia com violência, eram braços que se esforçavam para me atingir. Foi como se ele soubesse que eu o observava com algum sentimento próximo à pena e decidiu me punir por isso. Um novo estrondo fez com que eu começasse a correr.
Quando cheguei ao portão de minha casa, minhas mãos tremiam tanto que não conseguia encontrar a chave para abri-lo. Olhei para trás e o gigante me encarava com olhos demoníacos, jurando vingança. Nesse instante eu acordo.
Meu coração está disparado e minhas têmporas estão úmidas. Tenho medo de abrir minha janela, pois sei que aquele monstro está lá fora, olhando para mim, esperando que eu abra minha janela e o encare.
Não importa a vida que corra pelas minhas veias, a alma que recheia esse corpo, sou pequeno.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Trevas da Luz - O Gato Perdido (PARTE 1)


Da janela do prédio podia ver o céu azul e limpo. Estávamos no inicio de um verão quente e insuportável, já sentia minhas costas suadas e minha camisa encharcada grudando.

– Até o gosto do cigarro muda – murmurei para mim mesmo, mas ela pareceu ouvir.

– Por quê? – perguntou.

Nana, apesar de cega, aparentava ver tão bem quanto qualquer um. Nunca precisou de mais do que uma ajudazinha quando caminhávamos e sua precisão tanto na cozinha quanto nas ruas era impressionante. Além disso, Nana tinha um dom sobrenatural, sabia, sentia, ouvia e literalmente enxergava coisas impossíveis para as pessoas normais.

– Não sei, mas acredito que seja o calor – respondi sem me virar.

Ela se aproximou da porta de correr da sacada e a abriu deixando o ar abafado penetrar por toda a sala. Sai de perto da janela e fui a acompanhar lá fora com cinzeiro em uma mão e o cigarro na outra.

– Já estamos no verão, não? – foi uma pergunta retórica que ela fez ao me aproximar do parapeito.

– Sim – respondi. – E parece que esse ano vai ser mais quente que o anterior.

Nada disse, fez apenas um leve aceno de cabeça e continuou dispersa, seus olhos que não podiam ver – pelo menos não como nós vemos – focado a sua frente, além do horizonte.

– Que horas são? – perguntou.

Uma das poucas coisas das quais ela pedia minha ajuda: informar as horas. Não que ela precisasse, já que havia relógios que anunciavam as horas por som espalhados pela casa, mas isso havia se tornado uma espécie de habito.

– Onze horas – respondi olhando para meu relógio de pulso. – O que vai querer para o almoço? – perguntei casualmente lembrando que seria a minha vez de preparar o almoço e como cozinheiro eu simplesmente não prestava.

– Daqui a pouco.

Esperei que terminasse sem sucesso.

– O que, “daqui a pouco”? – indaguei virando-me para ela que ainda mantinha o olhar no horizonte.

– Hoje alguém vai nos levar para almoçar – respondeu indiferente.

– Hum – dei um trago e apaguei o cigarro no cinzeiro. – Entendi... que horas?

– Acho que meio dia.

– Temos tempo até lá – afirmei olhando mais uma vez no relógio. – Quer que eu leia o jornal para você?

– Não tem nada de interessante hoje respondeu voltando para dentro, deixando a porta da sacada aberta.

Estava acostumado a rotina. Morávamos apenas eu e ela no apartamento. Todos os dias ela preparava o café-da-manhã, parecia não ter problemas de acordar cedo como eu tinha, e então conversávamos um pouco ou assistíamos TV, na verdade eu assistia e ela ouvia. Quando tudo isso terminava, eu pegava o jornal do dia e lia. Nos dias que havia alguma coisa interessante ela pedia para que eu lesse, nos dias que nada a interessava, ela simplesmente permanecia sentada no sofá em silêncio até que eu terminasse.

Nunca errava. Quando Nana falava que nada havia de interessante no jornal, realmente não havia, e quando havia, geralmente eu encontrava sem problemas. Apesar dela saber essas coisas, ela não sabia exatamente o que era interessante, apenas sabia.

Óbvio que ela não estava errada, após folhear o jornal nada me chamou a atenção. Desastres naturais, queda na bolsa de valores, empresários cometendo suicídio, a vitória de um doente de câncer – provavelmente alguém famoso, – nada de mais nos esportes, não me interessava por nenhum deles. Nada de crimes bizarros, nada de relatos estranhos ou alguma desordem no sentido natural da sociedade caótica e corrompida em que vivemos.

Sentei na cadeira da sacada e acendi outro cigarro, dentro da sala, próxima a porta da sacada, Nana estava sentada no sofá, pernas unidas e mãos juntas sobre as coxas em profunda meditação, como geralmente ficava a maior parte do tempo.

Assim ficamos até que o interfone tocou. Olhei para o relógio e suspirei sorrindo para Nana.

– O que foi? – perguntou ela sorrindo de volta.

Peguei o interfone e do outro lado o porteiro gaguejava e sua voz parecia sair de uma boca abobada ou dormente. Já sabia quem ele iria anunciar.

– S-s-senhor Masahiro? – perguntou. Consegui imaginar o suor escorrendo de sua testa e o sorriso abobalhado nos lábios que não permitia que falasse com clareza. – U-u-uma pessoa veio...

– Pode deixar subir – interrompi.

– S-s-sim senhor – ouvi o clique dele desligando.

Suspirei e retornei a sala onde Nana estava na mesma posição em que estava antes. Virou-se para mim sorrindo.

– Ling está subindo? – perguntou.

– Sim – respondi soltando outro suspiro.

Como Nana sabia quem era? Nem eu mesmo sei. É um tipo de coisa que você se acostuma quando tem uma parceira com uma sensibilidade sobrenatural. No começo você fica surpreso e espantado com tudo, com o tempo passa a aceitar e fazer perguntas e por fim, quando as perguntas não ficam respondidas ou não compreende as respostas, você simplesmente convive.

Por outro lado, eu sabia que era Ling Wei, pela maneira como o porteiro falou comigo. Ling era uma mulher que poderia ser A top model de toda a Ásia e digo isso humildemente. Não era tão alta, porém seu corpo era extremamente bem formado e definido, seus seios eram médios, porém perfeitos – e não são minhas palavras – e seu rosto parecia de criança, porém transmitia um ar de maturidade e seu olhar sério deixava qualquer um ao mesmo tempo assustado e apaixonado, somado a tudo, seus cabelos longos lisos eram escuros como seus olhos e brilhavam como as estrelas. O maior problema era quando ela sorria, qualquer homem não preparado ou com dúvidas em sua fidelidade matrimonial, sucumbiria facilmente àquele sorriso.

– Está aberto – anunciou Nana ainda sentada no sofá.

Ling abriu a porta sorrindo. Quase nunca sorria para as pessoas, mas quando me via junto com Nana seu humor e temperamento mudavam tão rápido quanto o vento.

– Olá a todos! – exclamou encostando a porta a suas costas. – Já almoçaram?

Olhei para ela levantando uma sobrancelha.

– Ah, desculpe. Nana já devia saber da minha chegada – disse aproximando-se de nós. Eu estava sentado na cadeira da sacada. – Vamos almoçar?

– Sobre trabalho? – perguntei me levantando.

– Sempre – respondeu levianamente Ling.

Peguei o meu coldre de ombro e o coloquei, chequei a pistola e a munição no pente. Recoloquei o pente e destravei a pistola colocando-a de volta no coldre. Maldito calor, pensei vestindo minha jaqueta por cima da camisa. Era preciso, não gostaria de ter de explicar o que um civil armado estaria fazendo perambulando nas ruas.

Nana levantou-se e fomos para o restaurante.


– E sobre o que é o trabalho? – perguntei logo depois que fizemos nossos pedidos ao garçom.

O restaurante não era nada de mais, uma pequena casa que servia comida caseira de variados tipos, todos comuns ao paladar brasileiro. Além de nós não haviam outros clientes, o que nos deixou escolher o lugar. Sentamos em uma mesa ao fundo próxima a parede e ao ventilador. Olhei no relógio e eram meio dia e meia, ainda um pouco cedo para o horário que normalmente os restaurantes enchiam nas áreas comerciais.

– Sobre um gato perdido – revelou olhando fixamente para mim do lado oposto da mesa.

– Tch – peguei o maço de cigarros do bolso da jaqueta e tirei um. Sentada ao meu lado, Nana ergueu seu braço e colocou a mão sobre a que eu segurava o cigarro. Olhei-a pelo canto dos olhos e ela negou com a cabeça apontando com a outra mão uma placa de proibido fumar. Suspirei e guardei o cigarro no maço e este de volta na jaqueta. – Pensava que você só pegasse casos estranhos.

– E esse não é diferente – afirmou dando um sorriso misterioso.

– Gatos? – repeti mais para mim mesmo. – E eu que pensava que encontrar gatos era coisa que só se via em filmes para crianças.

Ling riu, Nana permaneceu imóvel e ereta em seu lugar, seus olhos sem brilho fitavam a parede oposta do restaurante, sempre atenta a conversa. Se ela pudesse ver, veria uma fileira de mesas encostadas na parede cobertas por um pano de mesa vermelho e branco xadrez, e alguns vasos colocados ao lado da parede. Esperamos o garçom colocar nossas bebidas e se retirar.

– E o que tem de tão especial nesse gato? – perguntei. – Que necessite de nossos serviços – completei coçando o queixo.

Por mais que parecesse besta encontrar um gato, Ling não aceitava os casos por acaso, sem antes saber algo a respeito, nem mesmo se permitiria entrar em contato conosco – eu e Nana – se realmente não fosse necessário.

– Na realidade é dela que preciso – disse Ling apontando para Nana em sua diagonal. Ambas se olharam, se é que no caso de Nana poderia ser olhar. – Nana é a única daqui que pode ver esse gato.

– Ver? – indaguei coçando a cabeça. – Como assim: ver?

Ling assentiu voltando-se para mim.

– Exatamente – afirmou com mais um leve aceno. – Ver – fez um minuto de silêncio antes de prosseguir. – O gato é invisível.

É claro que o senso comum diz para rir quando ouvimos algo do gênero, porém ninguém da mesa riu, especialmente depois de tudo que já havíamos passado. Tudo que fiz foi coçar a cabeça mais uma vez e refletir um pouco.

– E Nana é a única daqui que pode ver o gato? – deduzi de forma que, o que era para ser uma afirmação, acabou saindo mais como uma pergunta.

– Exato.

Nesse momento nossos pratos chegaram e comemos em silêncio. Claro que a conversa iria continuar, mas somente após a refeição que não tardou a terminar. Assim que Ling pagou a conta, como Nana havia previsto ela tinha insistido em pagar pelo almoço, saímos deixando para trás o restaurante que começava a lotar por funcionários de várias empresas.

Ainda em silêncio entramos em um café próximo ao restaurante em que estávamos. Ling e eu pedimos expresso enquanto Nana preferiu um chá gelado. Ficamos do lado de fora, porém debaixo de um ar condicionado que ficava exatamente em cima da porta de entrada, e finalmente pude acender um cigarro.

– Mal lhe pergunte – comecei entre um trago e outro – se o gato é invisível, como alguém pode querer procurar por ele – pensei um instante. – Digo: como alguém sequer saberia da existência do gato para que fosse procurado.

Olhei estranhando, porém voltado para mim mesmo. O que tinha acabado de falar não pareceu fazer muito sentido.

– Você entendeu... – disse ainda confuso com o raciocínio que acabara de colocar em palavras não tão coerentes.

Ling não sorriu.

Devido ao sincronismo da hora do almoço, o café estava vazio, apenas aguardando para que as pessoas terminassem de comer e seguissem para lá. Mesmo assim havia bastantes pessoas passando pela rua. Ling não se sentia confortável com muitas pessoas, geralmente eram nesses momentos que ela costumava a ficar mais séria e fria. Mesmo agindo dessa forma, ela chamava atenção tanto aos homens quanto as mulheres que transitavam, não só por sua beleza incomum, mas por suas próprias roupas ordinárias – uma camisa de manga comprida branca com as mangas dobradas até os cotovelos, uma calça social preta e sapatos de salto baixo – parecerem cair tão bem quanto qualquer outra mulher.

– Aparentemente somente algumas poucas pessoas podem ver o gato – explicou sem qualquer sentimento em seu tom. – Somente as pessoas com sensibilidade sobrenatural, porém nem todas, e pessoas que estão próximas a morte, porém...

Pausou um instante encostando-se em sua cadeira.

– Vocês se lembram das mortes misteriosas das garotas do prédio? – perguntou, como se estivesse para montar um raciocínio, ordenando seus pensamentos.

– Sim – respondi me recordando.

Em meio a uma festa no salão de um condomínio de classe alta em São Paulo somente as mulheres morreram, simplesmente morreram. Os homens ficaram vivos e sem saber o que fazer. Claro que a noticia não escapou das mãos da mídia, principalmente quando as mulheres – ou deveria dizer as adolescentes, ou garotas – eram filhas de pessoas bastante influentes, também é claro que a história não passou despercebida pela Nana que um dia antes pressentiu algum tipo de distúrbio. Isso faz quase três dias.

– Você disse que ia dar uma olhada quando comentamos – relembrei-a.

– E olhei – confirmou Ling. – Apesar de fazer tempo que não falava com meus contatos aqui no Brasil, consegui algumas informações que não saíram na mídia. Parte porque foram abafadas pelos pais dos adolescentes que estavam lá e parte porque parecia que os relatos de todos os rapazes foram efeito do choque.

– Que relato?

– De que todos viram um gato passar pelo salão. Só não souberam dizer se já estava lá durante a morte ou se foi só depois que o gato apareceu – tomou o resto do café de olhos fechados, se concentrando. – É claro que isso foi considerado uma reação do choque, no entanto dos dez que estavam lá, todos viram o mesmo gato. Isso é estranho, confirmei isso diretamente com os investigadores, já que os relatórios parecem ter sofrido alterações.

– Gato... huh? – refleti. – Mais alguma coisa em comum?

– Tirando o fato de que todos lá eram filhos e filhas de pessoas ricas e bastante influentes: nada – respondeu curiosa com o próprio fato. – É claro que a primeira teoria foi de atentado, mas matar somente as mulheres, não faz sentido algum. O caso só não foi arquivado devido a influencia dos pais.

Refleti mais uma vez sobre o que foi dito e sobre qual pergunta fazer primeiro.

– Algum suspeito?

– Os garotos. Porém isso foi logo descartado.

– Como? – entendi no mesmo momento em que fiz a pergunta.

– As câmeras de vigilância filmaram tudo.

Antes que eu pudesse fazer a pergunta, Ling pareceu ler minha mente.

– Nenhum gato apareceu nas fitas, de nenhuma das câmeras.

– E pode confiar na analise? – não que notar um gato mencionado em um relatório de testemunhas que possivelmente sofreram de paranóia coletiva passasse despercebido.

– Disso eu tenho certeza. Devido à magnitude desse caso, praticamente todos os forenses de São Paulo e até de fora, analisaram as evidências.

Suspirei. Um gato invisível e de uma festa inteira só as adolescentes morrem. Tomei o resto do café ainda morno devido ao calor que fazia.

– Quem era a responsável pela festa?

– Uma garota chamada Mariana Elena Rossberg, morava com os pais no mesmo prédio.

– Suspeitam deles?

– Masahiro... – suspirou. – Você não entendeu. Além dos garotos que sobreviveram e de um gato inexistente que eles mesmos disseram ver, não há outras testemunhas ou suspeitos.

– E entre os garotos e o gato, sua melhor hipótese é de que seja o...

– ...gato, sim – completou antes que eu terminasse. – Acredito que ele tenha sido a causa da morte.

Franzi a testa. Um gato matou as garotas e deixou os garotos vivos, pensei no absurdo disso tudo. Olhei para Nana que estava novamente ao meu lado quieta. Não parecia ter qualquer tipo de reação sobre a conversa, no entanto era claro que estava atenta.

– Um gato invisível matou as garotas?

– Isso é no que acredito.

Cruzei os braços encostando as costas na cadeira e acendi outro cigarro.

– Você disse que somente os mortos ou algumas pessoas com sensibilidade sobrenatural podiam ver esse gato – raciocinei alto. – Mas esses garotos o viram – Ling confirmou com um movimento de cabeça esperando pelo resto. – Por que eles viram?

– Existem lendas – dessa vez foi Nana, que até então não havia pronunciado uma palavra desde quando saímos de casa, começou a falar inclinando sua cabeça em minha direção. Apesar de não ver, tinha esse costume de inclinar-se ou virar-se para a pessoa com quem estivesse falando – sobre os gatos. Dizem que os gatos possuem um sentido muito sensível e que são como guardiães de energia negativa; outros acreditam que os gatos guardam a porta do mundo dos mortos e até que são guias para as almas que partem desse mundo. Também há histórias que dizem que os gatos acompanham ceifadores e outras que eles mesmos sejam esses ceifadores, nesse caso são gatos especiais que só aparecem para a pessoa que está próximo da morte.

Olhei para Ling buscando confirmação, mas ela apenas sorriu brevemente aguardando para que Nana continuasse.

– Não sei ao certo, mas dizem que isso é ligado ao guizo que era carregada pelos gatos, por isso acredita-se de que quando alguém está próximo da hora de sua morte, esta pessoa ouça um guizo, inaudível para todos que estão a sua volta.

Rompi o silêncio que tinha se estabelecido entre nós.

– Então esse gato que procuramos é um ceifador?

– Provavelmente – foi Ling que respondeu.

Pensei mais alguns segundos.

– Mas isso não faz sentido. Se somente aqueles que estão próximos da morte podem ouvir o guizo e ver, como os garotos o viram? – completando. – Eu entendo que pessoas sensíveis como Nana podem o ver, mas não acredito que os dez adolescentes tinham a mesma sensibilidade.

Ling sorriu de uma forma de quem espera por palavras certas e as consegue.

– É isso que me chamou a atenção – falou sem mudar seu sorriso, não pude deixar de notar olhares furtivos das pessoas que passavam por nós. – O fato do gato se revelar livremente para todos não faz parte de nenhum relato, pelo menos em mitos e histórias que eu vi.

– E qual a sua teoria? – perguntei, supondo que ela já tivesse uma.

Seu sorriso abriu ainda mais.

– Os gatos também são conhecidos por serem animais independentes e que respeitam sua posição, há quem diga que eles honram aqueles que cuidam deles. É uma natureza felina de manter sua posição e independência – a garçonete retirou as xícaras e, Ling e eu, pedimos por mais dois expressos. – Eu acredito que o gato esteja sendo controlado. Não controlado – procurou as palavras certas, – talvez esteja apenas obedecendo a uma ligação de respeito.

– Alguém que controla a morte? – perguntei de forma irônica. – Através de um laço de ligação?

– Talvez. Mas eu acredito nisso.

Soltei um longo suspiro relaxando os ombros e deixando que os braços caíssem paralelos ao encosto da cadeira. Me virei para Nana e a vi novamente em silencio e atenta na conversa, seus olhos dispersos no horizonte inexistente para ela.

– E os garotos ouviram algum guizo?

Assentiu com um leve aceno.

– Segundo os investigadores que eu conversei, alguns mencionaram ouvir uma espécie de sino.

– Mas não foram todos?

– Não – respondeu e após ponderar um pouco prosseguiu. – Disseram que a musica estava alta por ser uma festa, esse evento pelo menos não foi omitido dos relatórios.

Tomamos nossa segunda rodada de expresso em silêncio. Nana apenas observando algo que não podíamos ver, enquanto eu passava por minha cabeça todos os fatos discutidos. Após esvaziar sua xícara Ling quebrou meu raciocínio.

– E então? – perguntou sem expressão. – Vão aceitar?

– E como podemos encontrar algo invisível? – subitamente me veio uma outra pergunta a cabeça. – Como aqueles garotos viram o gato?

Mais uma vez Ling sorriu como se esperasse por aquela pergunta.

– Eu não sei – sua resposta quase me fez cair da cadeira. – Mas o que posso imaginar é que se alguém está controlando a morte, esse alguém não tem nenhum senso de discrição.

– Ou o seu rancor é tão forte que não se importa de ser visto ou não – disse Nana em um tom baixo, quase inaudível. Ling e eu a olhamos espantados. Ling sorriu.

– Nana? – eu continuava a fitá-la. – O que acha?

Ela apenas assentiu com um breve movimento de cabeça.

– Ótimo! – exclamou Ling sorrindo para mim e logo depois para Nana que, como se pudesse ver, respondeu com outro sorriso.

Ling pediu a conta, me ofereci para pagar pelo café, mas mais uma vez foi ela quem acabou pagando.

– Só uma pergunta – disse assim que a conta chegou. – Houveram outros casos parecidos?

– Nenhum – e completando. – Acho que não escaparia dos olhos de ninguém se um caso semelhante tivesse acontecido.

– Por quê?

– A maneira como as garotas morreram é peculiar e incompreensível. O corpo simplesmente desistiu de viver. Não há qualquer sinal de algo que pudesse levar uma pessoa a morte – colocou na caderneta uma nota muito maior do que teria dado o total da conta e se levantou pronta para sair. – É como se alguém tivesse desligado o cérebro delas.

Descemos na frente de nosso apartamento, claro que chamando muita atenção já que Ling tinha um dos poucos, senão o único, Aston Martin do Brasil. Ao se despedir ela me deixou uma pilha de fichas dos adolescentes da festa e partiu.

– Vou ver se descubro mais alguma coisa, vejam o que descobrem com a ficha deles, ainda não tive tempo de ver elas – disse antes de sair rua a fora.



sábado, 24 de janeiro de 2009

Mudanças no blog

Antes de tudo agradeço as pessoas que visitaram e ainda visitam o nosso blog ocasionalmente. Como podem perceber já faz bastante tempo que não há novas postagens.
Inicialmente nossa intenção era colocar um conto ou parte de uma história, por semana. Entretanto, devido a uma série de fatores André e eu não coneguimos cumprir com o objetivo por causa de diversos problemas que surgiram em nossas vidas.

Felizmente a maré está baixando e as ondas se acalmando, dessa forma a tempestade que nos cercou por aqui se dissipou e pouco-a-pouco organizamos o que foi bagunçado.

Estarei a partir dessa semana e, se possível, uma vez por semana colocando parte de uma série de histórias que eu criei para o blog. Está série é uma espécie de light novels, particularmente meu contato com light novels é bem fraca, mas eu me interessei pelo gênero a um tempo atrás e estou ainda o estudando.
A Light Novel para quem não sabe é uma série de novelas (romances) onde cada livro - seja ele longo ou crto - formam uma história central. Em cada livro uma parte dessa história se resolve. Seria uma série de TV em livro.
No Brasil, especificamente em SP, temos o Sabrina. Não sei se ainda é impresso, mas para aqueles que conhecem, Sabrina é um tipo de light novel focado para o público feminino.

Bom, a história é sobre um rapaz ordinário que mora com uma garota cega que possui poderes sobrenaturais, ao lado deles uma investigadora de casos bizarros que também possui poderes misteriosos, os chama para auxiliarem a resolverem seus casos.
O personagem pode contar melhor:

Acordar cedo sempre foi um problema para mim por isso quem preparava o café-da-manhã era sempre ela, dessa forma eu conseguia acordar exatamente no momento em que ele estava sendo servido.

Sentir o cheiro do café e torradas de Nana é algo tão incrível que só perde para o cheiro da janta que ela também cozinha, o almoço é por minha conta.

Nana, apesar de cega, é incrivelmente habilidosa e raramente precisa de ajuda de outra pessoa para qualquer coisa que seja. Além disso, sua sensibilidade e poderes sobrenaturais a faz tão independente quanto qualquer outra pessoa que enxerga.

Moramos juntos há alguns meses, sei que preciso ajudá-la após a morte de todo seu clã. Agradeço por ter ajuda de Ling Wei que, apesar de sua beleza angelical e seu ar misterioso, resolve casos estranhos onde as coisas parecem não fazer sentido. É exatamente disso que precisamos para encontrar quem procuramos.

Vivemos em um mundo caótico e decadente, cercado de conspirações e violência, e aqui todas essas coisas se misturam ao sobrenatural. Sei que cada um de nós três temos objetivos diferentes, ocultos uns aos outros. Porém é somente com a ajuda de cada um que poderemos alcançar tais objetivos.

Nana com seus poderes sobrenaturais, Ling com seus contatos e seus poderes misteriosos, quanto a mim... bem, prefiro manter meu passado longe delas para que ninguém se machuque.