terça-feira, 25 de dezembro de 2007

Neve de Ano Novo - Parte 1

-13:45

Dezembro deveria ser verão no Brasil, mas São Paulo tem sua tradicional contradição climática, frio e chuva pareciam fazer do final de ano algo monótono e depressivo, especialmente para quem passa solitário.

Na sacada da cobertura da casa de meu amigo de infância conversávamos. Como de costume eu ia almoçar todo ultimo dia do ano em seu apartamento ao lado de sua esposa e filho e, ao terminar, conversávamos e eu fumava um cigarro.

Discutíamos as memórias do ano, boas e ruins, mas curiosamente, como de costume humano, lembrávamos mais de momentos ruins do que bons. É estranho como os relatos bons e felizes passam rápido nessas discussões, enquanto as coisas ruins pareciam ter um ar de caso importante e nós éramos juizes discutindo como se discute o futuro de um filho.

Não sentia inveja de seu status, pelo contrario, estava muito feliz por ele ser um dos advogados mais famosos da cidade e, acredite ou não, honesto. Sua esposa era amável, e ao contrario daqueles que tem fama, eram fieis e felizes; algo raro nos dias tão caóticos de hoje.

“E o que pretende fazer hoje?”, pergunta ele sentado em sua poltrona na sacada que facilmente acomodaria meu apartamento inteiro.

“Nada.”

“Como assim nada? Vai passar o ano novo sozinho de novo?”

Fazia alguns anos que eu olhava os fogos de artifício que celebravam o ano novo pela janela da minha sala. Do meu prédio quase vazio devido às viagens de todos para casas de parentes, ouvia-se alguns gritos de comemoração abafados pelos sons das explosões que celebravam o inicio de um novo ano. “Sim, provavelmente.”

“Eu já sei a resposta, mas nunca vou cansar de perguntar e insistir: Por que você não passa o ano novo conosco?”

Solto um suspiro, todo final de ano e natal me convidavam para ficar com eles, mas me sentiria um intruso em meio a tanta alegria de sua família. Minha felicidade mórbida e meu espírito nefasto não se acomodariam com um lugar tão amistoso e confortante com o ar familiar. “Você me conhece. Vou dar-lhe sempre a mesma resposta, meu amigo. Eu não celebro essas datas, nenhuma delas na verdade.”

Terminada a conversa e após alguns cigarros me coloco na entrada pronto para sair, mas sou parado como de costume nessa data para ser presenteado com um fino champanhe.

“Adeus, meu amigo. Feliz ano novo.”, digo-lhe.

“Até o ano que vem! Feliz ano novo, meu amigo!”, ele me responde e a porta se fecha.

-15:00

As ruas já começavam a ficar desertas. Pude ver os hospitais em ritmo de descanso, os bombeiros sentados na entrada conversando e alguns se despedindo ao ir para casa, os policiais fazendo suas rondas com um olhar que os fazia parecer pensar em suas famílias em suas casas que passariam o ano novo sozinhos, e os bares com as almas solitárias que pelo menos nessa data poderiam dividir sua solidão com muita bebida e lamurias.

Estava sem rumo, não queria voltar para casa ainda; não havia motivos o suficientes, sentir o cheiro de umidade e mofo saindo das mobílias velhas do meu apartamento. A poeira que se acumulava pelo chão e poucos móveis que tinha. A única coisa que me agradava naquele lugar era o cheio de papel velho, o cheiro do conhecimento, meus livros que ocupavam toda a casa, quem nunca a visitou antes pensaria estar em um cômodo de um velho sebo e isso me agradava.

Passei por becos, avenidas que começavam a perder o movimento, ruas estreitas e dei até voltas no mesmo quarteirão por mais de uma vez. Parei em um bar com algumas pessoas ainda sendo atendidas, provavelmente iriam fechar em breve, mas eu podia pegar algo. Optei por um café e um salgado.

Estávamos todos sós, ninguém no bar estava acompanhado, bebiam em silencio talvez fazendo o mesmo que fiz com meu amigo nesta manhã: uma retrospectiva dos acontecimentos do ano, mas diferente de minha situação, eles não deviam ter ninguém com quem compartilhar suas lembranças neste fim de ano. Não conseguia imaginar como seria uma solidão maior do que a que eu vivia, por este motivo não pude deixar de me espantar com a bravura daqueles seres tão insólitos como os que compartilhavam o recinto comigo.

O sobre-tudo encharcado da chuva pingava, eu não me dei o trabalho de tirá-lo antes de sentar, o vento frio que vinha da entrada passava por ele e a água esfriava de modo que me fazia tremer a cada instante. Ninguém reparou na minha chegada, todos continuavam com olhares vazios em seus devaneios, o único ser que eu podia confirmar estar vivo, não era eu, mas sim o garçom, um senhor de idade que vestia camisa vermelha e estava sentado atrás do balcão.

Felizmente o salgado não estava ruim e o café estava forte, da maneira que gosto, e o lugar não era sujo, apesar de neste dia em especial o clima depressivo era inevitável, nuvens escuras cobriam o céu, as ruas desertas, a chuva mais fraca caia monótona e somente algumas luzes acesas no bar.

“Deseja mais algo?”, perguntou o garçom assim que viu que havia terminado o meu salgado.

“Não obrigado.”

Ele então recolhe a cestinha em que estava o salgado e com ela em mão olha para a rua. “Tempo ruim para um final de ano, não acha?”

“Sim, mas é costume fazer esse tempo no final de ano, pelo menos em São Paulo.”

“Talvez...”, e olhou por um longo tempo a cestinha vazia em sua mão. “Mas este ano é diferente. Não sei te explicar, mas acho que a natureza está mais sozinha.”

“Sozinha?”, perguntei acendendo um cigarro e olhando para ele. “A natureza deve estar é irada com agente. Destruímos ela inteira, não me espantaria se ela estivesse com raiva e quisesse acabar com tudo.”

“Concordo, mas a raiva que não se cura, não se torna solidão? E a solidão não se torna depressão?”, disse já a caminho de volta para o balcão.

Senhor interessante, de certa forma ele tinha razão, eu conseguia concordar com isso, mas não penso que a natureza se sentia solitária, talvez depois que ela aniquilasse todos os seres vivos ela se sentisse solitária, no entanto para chegar a isso ela tem que nos destruir, e isso acredito seja um processo em andamento.

Com o avanço da tecnologia temos mais conforto, e nós como seres vivos regredimos já que não precisamos de nossas funções básicas, temos outros fazendo por nós. Engraçado como várias pessoas querem que nos sensibilizemos com a situação da natureza, mas nenhum deles está disposto a morar em ocas e viver da terra como os índios em troca da tecnologia que eles possuem.

-20:00

Ainda estava claro para o horário apesar das nuvens escuras cobrirem o céu. A chuva tinha cessado e agora uma fina e gélida garoa tomava seu lugar.

Parando em frente ao apartamento em que morava, apago o meu cigarro e olho uma ultima vez a rua deserta. Nesta hora a maioria das pessoas já estavam reunidas com seus familiares e provavelmente estariam conversando e rindo. Pensei em meu amigo em sua cobertura, dentro de sua casa quente e aconchegante. Agora estaria sentado abraçado em sua esposa, seu filhos brincando perto da arvore de natal ansioso para abrir os presentes. Todos felizes, sentindo o calor dos sentimentos de afeto entre eles, aqueles sentimentos que as famílias costumam ter em momentos de verdadeira alegria, pelo menos era o que imaginava.

Conseguia visualizá-lo na sua sala, os dois no sofá, a mesa em frente e a janela para sacada a esquerda deles. Conseguia sentir o cheiro e aconchego do lar, mesmo não estando lá. Seria um intruso, mas devo confessar que naquele momento senti uma enorme vontade de poder compartilhar com eles todo aquele êxtase de felicidade, no entanto sabia que não podia, ou melhor, não devia por causa de quem sou, do que penso e no que me tornei: amargo, depressivo e paranóico; pelo menos era isso o que achava.

Não havia um apartamento na cobertura no prédio em que eu morava, o acesso a parte de cima era uma pequena escada de incêndio onde alguns jovens se escondiam dos pais para fumar, por sorte em ano novo a maioria das pessoas estavam viajando e os jovens preferiam cair bêbados na casa de outros amigos do que ficar com os pais, essas crianças são o futuro do país. A entrada escura cheirava umidade e cloro do mais barato, as paredes descascando estavam cobertas por fungos e rachaduras, dentro do elevador era ainda pior, o forte cheiro de mofo que tinha faria qualquer um com alergia e asma terem uma morte imediata, por sorte eu tinha bronquite, então eu estava só a meio caminho da morte quando entrava nele.

Não me incomodei em passar pelo meu apartamento, subi direto, ao ultimo andar e peguei o acesso ao topo do prédio para apreciar um pouco o céu nefasto e depressivo de ano novo que fazia, também queria sentir a garoa gelada, já estava todo molhado mesmo uma pneumonia seguida de morte não seria nada mal para um começo de ano com um clima desses.

Ao abrir a porta, senti o vento de fora entrar com gotículas da garoa que fazia, era um ar renovado gelado, diferente ao abafado úmido de mofo que vinha das entranhas do prédio. Fiquei aliviado por um momento e caminhei até onde ficava a sacada, passando por cabos de antenas, bitucas de cigarro, camisinhas e outras coisas das quais eu não ousaria identificar; um chiqueiro seria um quarto 5 estrelas perto desse lugar. Saindo de trás de uma antena parabólica e vendo a proteção da sacada, o parapeito, que chegava à altura do meu estomago, tomo um susto com um grito de uma mulher.

“NÃO SE APROXIME!”



--Fim da Parte 1

Um comentário:

Anônimo disse...

Parabéns pelo conto. Fudido!
Boa sorte com o Blog.