sábado, 29 de março de 2008

O show deve continuar, mas que show?

Apesar de não me lembrar muito bem, gosto de pensar que muito antes de isso tudo começar eu conseguia sorrir sem sentir um pingo de nervosismo; conseguia aproveitar cada momento como se fosse mais um no meio de uma coleção enorme de boas lembranças. Minha voz não era tão amarga e meus olhos mais brilhosos; não se pareciam como estrelas encobertas pelas nuvens negras numa noite mais negra ainda.

Quando começou, meu corpo foi o primeiro a sentir o golpe. Era como se fossem desferidos inúmeros socos na minha barriga; toda vez que tentava recuperar o fôlego um sorrateiro golpe era novamente desferido. Mesmo com o coração acelerado por conta das pancadas sucessivas e o pulmão nunca integralmente cheio, ainda sentia prazer no por do sol, no cigarro pós-amor, em sentar-me na beira da janela de madrugada para ver as estrelas mais de perto. Ainda tinha tempo para perguntar se as estrelas também me viam.

Não muito tempo depois do início, pouco antes de meu corpo desabar, minha mente me enviou um bilhete dizendo: “parti para nunca mais voltar, o que você fazia comigo é desumano. Precisei partir. Não me desculpo. Seja feliz”. Me senti como o único ser na Terra cuja mente desistiu de pensar. Obviamente que não pensei em desistir, afinal, pensar já não era uma palavra constante no meu dicionário, e outra, estava no meio da jornada. Para não sucumbir de vez, decidi me esforçar em dobro e forcei minha cabeça sem que ela quisesse trabalhar. Dobrei o tempo e carga do serviço. Minha meta era conseguir meu objetivo ou vegetar tentando.

Pouco tempo depois de minha inócua tentativa em busca de me tornar algo maior que eu mesmo, talvez uns dois dias, não havia, para mim, mais carros na rua, nem estrelas, nem bitucas, nem cachorros ou pessoas. Restara apenas eu e eu mesmo no mundo, os dois seres que mais odeio, completamente insuportáveis. Dei graças à Deus quando sucumbi de tanto me esforçar para me esforçar. A questão é que me esgotei. De tanto me dar chibatadas, me prostrei diante de mim mesmo, cerrei os dentes, enxuguei os olhos, encarei-me frente à frente, olhos nos olhos. Prossegui. Não fui muito inteligente.

Quando dei por mim, ainda trajava o pijama da semana passada, o chinelo estava no mesmo lugar, mas já não era eu quem os calçava, já não era eu quem tomava o café pelas manhãs e seguia direto para o quarto. Não havia mais dias nos meus dias, apenas repetição, dia ou noite, chá ou cara no chão, repito, era tudo repetição. Havia perdido minha mente, agora perdi meu corpo. Me tornei máquina.

Alguns dias antes do final pensar em se aproximar, cogitei - como já disse, me era impossível pensar - sorrir e experimentar abrir a janela, sentir o vento, a brisa, mas não consegui. Não tinha tempo para perder. Gastava meus segundos com neurose, meus minutos com fixação e minhas horas se esvaiam por si só.

Era um domingo, aproximadamente às 14 horas. Chegou o tão esperado momento: O fim. Fiz o que tinha que ser feito e para tanto vendi minha alma, meu corpo, meu sangue, mas não sei até agora se foi o suficiente. Confesso que me surpreendi: é que não obstante as horas que eu acreditei ter desperdiçado, as estrelas que julguei que haviam morrido, estavam todas lá ainda. As pessoas ainda eram as mesmas, as árvores, os pássaros, as bitucas. Apenas eu mudei.

As coisas nunca mudam. Não importa o quão mártir você seja ou o quanto você queira que o mundo sucumba aos seus sacrifícios pessoais: as coisas não mudam, as pessoas não mudam. Talvez essa imutabilidade seja a única forma do Universo nos mostrar que todo sacrifício é inútil, que as coisas sempre serão as mesmas, e não importa o que aconteça conosco, a Terra vai continuar girando e girando e girando...

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