sexta-feira, 11 de janeiro de 2008

Neve de Ano Novo - Parte 3 (FINAL)

-00:00

Ouço sua voz doce e suave, tão única que poderia reconhecer a qualquer distância, parecia estar sentada ao meu lado. Estava deitado, não sabia onde, tudo estava escuro, não conseguia me mexer. Sentia sua mão macia e morna acariciando minha cabeça conforme falava.

“Será que os flocos de neve são as lagrimas derramadas por um coração que se tornou frio pela solidão?”

No fundo, distante, ouço o barulho de explosões e desperto em um salto em meu quarto. Estava desnorteado, não sabia o que aconteceu, senti ter perdido algo importante, não me lembrava de nada, nem de como eu havia parado no meu quarto.

Suado e ofegante, as luzes estavam todas apagadas, mas os fogos explodindo iluminavam o suficiente para olhar em volta, não havia nada. Observei por mais alguns instantes os fogos até meu coração se acalmar. Já era ano novo.

Voltei então a me deitar, estava tonto, o teto do quarto girava e as pálpebras não tardaram em pesar e me trazer o sono.

Nevou em São Paulo naquela madrugada.

-7:00 (1º dia do novo ano)

Acordei ainda atordoado, tive um sonho muito estranho, estava na cobertura do apartamento e uma garota pulou de lá, não pude salva-la apesar de todos meus esforços. Senti que a conhecia há muito tempo e comecei a chorar, não sabia o porquê exatamente, se tudo havia sido um sonho, mas os sentimentos pareciam aflorar tão forte que não pude resistir as lagrimas.

Após minha crise de choro reparei em minhas roupas, as mesmas encharcadas de ontem, resolvi tomar um banho e comer algo. Depois me arrumei e como de costume todo 1º dia do ano ia à casa do meu amigo em sua cobertura e chamava ele e sua família para o festival de ano novo tradicional japonês que ocorria no bairro da Liberdade.

Estava fazendo um frio descomunal aquela manhã, coloquei os casacos mais pesados que tinha e sai. Quando passei pela entrada do prédio me assustei, estava tudo branco, neve havia caído. As pessoas se aglomeravam nas ruas admiradas e assustadas discutiam, as crianças que pareciam bolas de algodão de tantas roupas que usavam tentavam brincar com a neve que, provavelmente, só haviam visto em filmes.

“Realmente ferramos a natureza a esse ponto?”, pensei enquanto caminhava em direção ao apartamento do meu amigo.

São Paulo não estava preparada para neve, então muitas ruas estavam interditadas, policiais, CETs e bombeiros trabalhavam às pressas para botar ordem no caos que ela provocou. Tive que ir andando, e foi uma longa caminhada, mas pude me entreter bastante com aquela visão única da paisagem de São Paulo, eu também nunca tinha visto neve pessoalmente. Iria chegar atrasado, mas provavelmente não haveria festival esse ano novo, não sabia por qual razão então estava indo até o apartamento dele, poderia ter ligado para avisar, como já estava no meio do caminho, não compensaria voltar agora; pelo menos, pensei, poderia conversar um pouco com ele e discutir a respeito desse evento único e bizarro que a natureza, ou nós mesmos, trouxemos.

-9:30 (1º dia do novo ano)

Ao tocar a campainha sua esposa logo abriu a porta.

“Meu Deus! Você veio!”, disse me puxando para dentro do apartamento que estava com a lareira acesa.

“Meu marido tentou ligar para você, mas ninguém atendia, ficamos preocupados.”

Logo ele apareceu, seus olhos estavam arregalados de susto e espanto.

“Como a vida lhe trouxe até aqui amigo?!”, continuou ao me dar um abraço forte. “Fiquei preocupadíssimo com você! Essa neve, você não atendendo ao telefone... Confesso que pensei o pior”.

Soltando do abraço eu dei uma risada meio sem jeito, de fato não estava acostumado com tanta preocupação assim, era até que gostoso sentir aquele afeto dos outros as vezes.

“Desculpe. Acho que esse ano não vai ter festival na Liberdade, não é?”, disse tentando aliviar a preocupação que evidentemente sentia.

“Com esse tempo?! Não mesmo!”, exclamou apontando para fora, a sacada e as bordas da porta de vidro estavam com uma camada de neve. “Mas já que está aqui, almoce conosco, amigo! Convidei uma moradora nova, a conhecemos ontem depois que você saiu! Acho que você irá gostar muito dela. Já que não podemos ir ao festival, vamos todos almoçar juntos”.

Não queria, mas de fato as ruas demorariam para ficar limpa e com isso não haveria ônibus por um bom tempo, então decidi ficar; precisava de companhia, o sonho fez com que um sentimento muito vazio se alojasse em meu corpo, acreditava que se saísse de lá e voltasse para o meu apartamento sozinho, iria ficar chorando, aqui pelo menos me sentia confortável e os sentimentos de vazio se preenchiam com os de alegria.

Ficamos sentados no sofá, sua esposa estava na cozinha e seu filho ainda dormia. Não conversamos, apenas ficamos observando a neve que derretia na sacada. Quando a campainha tocou sua esposa foi atender.

“Oi! Seja bem vinda.”, disse sua esposa cumprimentando a visitante.

Uma voz doce e suave respondeu, um calafrio subiu pela minha espinha. A neve derretia, lembranças que não podia distinguir se eram um sonho ou realidade voltavam, o sentimento de nostalgia de uma vida passada aflorava em minha alma. Suas palavras ecoavam no fundo da minha mente.

“Será que os flocos de neve são as lagrimas derramadas por um coração que se tornou frio pela solidão?”

“Gostaria que na próxima vida nos encontrasse, eu ficaria muito, muito feliz.”

De fato, a natureza derramou suas lagrimas frias em São Paulo, mas conseguimos nos conhecer em uma outra vida...


--FIM

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