domingo, 27 de janeiro de 2008

O Último Ato (Cap. 2 - Parte 1)

2 – Reencontros e Descobertas.

Seis anos se passaram e estou retornando à minha terra natal, uma semana para o aniversário de Yuki. Perdi o contato com todos quando deixei o país, e agora não sabia o que tinha acontecido em minha ausência, todos os meus familiares se mudaram para outra cidade e também não mantive contato constante com eles, me lembrei de Yuki quando acordei no avião com a aeromoça me informando nossa chegada.

Ficaria na antiga casa de meus pais, e durante todo o percurso não parava de pensar no que Kenji estaria fazendo, se já retornara de sua viajem a trabalho, como Bianca estaria e a aparência de Yuki agora com onze anos e daqui uma semana, doze.

Felizmente meus pais deixaram o meu quarto como estava antes de eu partir, pude achar minha agenda com os telefones. Encontrei o da casa onde Kenji e Bianca moravam, estava sem linha telefônica, então fui até um telefone publico de um posto de gasolina que ficava próximo de casa.

Já era fim de tarde quando liguei para o número que constava na minha antiga agenda, assim que coloquei o cartão torci para que eles não tivessem mudado de número. Uma mulher com voz suave e fraca atendeu, parecia estar doente pela maneira que pronunciava as palavras, ou muito cansada.

“Alô?”, dizia a voz da mulher.

“Boa tarde. Com quem eu falo?”.

“Bianca. Com quem você gostaria de falar?”.

“Bianca? Sou eu o Shinji, você se lembra de mim?”.

“Shinji...?”, ouve um silêncio, provavelmente tentava se lembrar.

“Shinji!”, tossiu após a surpresa. “Há quanto tempo! Nunca mais ouvi falar de você!”.

“Desculpe, perdi o contato com as pessoas daqui, por sorte encontrei esse numero em uma agenda antiga em casa. Como estão as coisas por ai? Como vai Yuki?”.

“Yuki?”, perguntou sem me entender.

“Sim, sua filha Yuki.”, respondi um pouco confuso, talvez a ligação estivesse ruim.

“Desculpe, Shinji.”, disse após uma pausa. “Não tenho nenhuma filha. Nunca ouvi falar de nenhuma Yuki também.”, outra pausa, “Talvez você tenha confundido com a filha de um outro amigo.”.

Não tinham nenhuma filha? Nem conhecia uma Yuki? O que está acontecendo?, pensei, imaginei ter ouvido errado, ou de repente ligado para um outro numero, mas era ela, Bianca. Poderia ter me confundido, talvez.

“E como está o Kenji?”, perguntei, talvez isso esclarecesse minha confusão, apesar de no fundo saber que não poderia ser o caso, não conhecia nenhuma outra Bianca.

Houve um longo silêncio, ouvi soluços. Estaria ela chorando? O que aconteceu nesses seis anos que estive fora?

“Desculpe. Shinji,”, quebrando o silêncio, ainda conseguia ouvir os soluços, “podemos nos encontrar? Você ainda lembra do endereço da nossa casa, né?”.

“Sim, claro. Mas o que aconteceu?”.

“Não posso...”, então os soluços viraram lágrimas do outro lado da linha, ela estava realmente chorando. “Não quero...”.

“Bianca?”.

“Amanhã às oito horas está bom pra você?”.

“Sim claro. Mas...”.

Ela desligou. Não consegui compreender direito, estava perdido, parecia que as informações vinham de um sonho e quando acordei ainda estava atordoado, perdido entre o sonho e realidade. Voltei para casa e pensei em todas as possibilidades, mas não conseguia chegar em nenhuma conclusão. O que aconteceu enquanto estive fora.

Cheguei ao sobrado em que Bianca morava, quinze minutos antes do combinado, a casa ficava em um bairro residencial tranqüilo, mas, diferente de todas as outras residências, a dela estava mudada, principalmente das memórias que eu tinha de seis anos atrás quando estive no aniversário de seis anos de Yuki. Não parecia mais uma casa de família, estava sombria e alguns borrões de umidade apareciam na garagem sem carro, as paredes descascavam e o lugar parecia ter um ar melancólico, sombrio e solitário. Me assustei ao ver o sobrado daquele jeito, me assustei ainda mais quando vi Bianca sair pela porta da casa depois de tocar a campainha.

Ela estava com uma camiseta branca larga e toda amassada, uma calça de moletom cinza meio desbotada e chinelos, provavelmente era seu pijama. Sua aparência estava ainda mais arrasada do que o da casa. Olheiras profundas, despenteada e andava como em transe a passos lentos e desregulares como se fosse uma sonâmbula. Dava para ver claramente que sua saúde estava afetada, mesmo dentro daquela roupa larga percebia-se sua magreza, pude ver seus dedos esqueléticos ao abrir o portão da entrada e sentir sua tristeza quando me abraçou com seus braços fracos e raquíticos.

“Há quanto tempo Shinji. Estou tão feliz em te ver. Tenho certeza que Kenji também estaria.”.

Entramos e sentei na pequena mesa quadrada que ficava em um canto da cozinha, me impressionei com a limpeza do lugar, da parte de fora pensava que dentro da casa estaria pior, mas foi o contrario, estava limpo e organizado, no entanto aquele ar melancólico continuava a me rodear, não estava muito confortável naquele lugar, era exatamente o oposto de como me sentia anos atrás quando vinha para as festas, o clima familiar, amigável, alegre e descontraído havia sumido.

“Onde está o Kenji?”.

Ela soltou um suspiro e olhou para o chá na xícara dela. “Você não soube, não é mesmo?”, voltando seu olhar para mim continuou: “Ele morreu há seis anos, um pouco depois que você partiu.”.

A descoberta me deixou em choque, olhei para aqueles olhos tristes com olheiras profundas, provavelmente passara a noite chorando quando abri velhas feridas com a ligação do dia anterior. Não consegui pensar; por um momento aquela pequena cozinha tinha se tornado ainda menor, mais apertada e abafada, não conseguia mais respirar direito, tive vontade de levantar e sair correndo de lá. Não conseguia chorar, ainda processava o que havia ouvido, a cabeça começou a girar, a visão embaçar, tive vontade de gritar e acordar daquele sonho, ver Yuki, Kenji e Bianca felizes me recebendo com abraços, contaria tudo sobre minha viagem a eles e muitas novas historias para Yuki se ela ainda se interessasse por essas coisas, mas aquilo era real, não podia fugir.

“Como?”, foi tudo que pude balbuciar com minha voz fraca, meus olhos lacrimejando.

“O avião dele.”, lágrimas começavam a escorrer, pingavam dentro da xícara, ela soluçava por entre as palavras. “O avião dele caiu indo para o Japão. Disseram que foi uma falha na queima de combustível, ou algo assim. Ninguém sentiu nada, eles garantiram.”.

“E-eu...”, não conseguia falar, limpei minhas lágrimas na manga da minha camisa, respirei fundo e tentei recomeçar. “Eu sinto muito, Bianca. Eu... não sei o que... falar...”.

Ninguém falou mais nada até tomarmos todo o chá, em silêncio, as lágrimas pingando e pouco a pouco desaparecendo salgando nossas xícaras de chá. Não sentia que havia perdido um amigo, mas sim que eu havia abandonado um, assim como sua família.

“Você...”, disse e ela desviou o olhar da pia com as xícaras para mim. “nunca ouviu falar em uma Yuki?”.

“De novo? Não, nunca ouvi falar.”, se virou novamente para a pia.

“Nem nunca tiveram uma filha?”, ousei a perguntar novamente.

“Shinji...”, apoiou os braços na pia olhando fixamente para as duas xícaras e outras coisas que eu não podia ver sentado na mesa, sem se virar ela suspirou e continuou: “já disse que nunca tive uma filha, nem um filho. Por favor, já é doloroso de mais ter perdido o Kenji, lhe peço por favor, não me faça essas perguntas. Não é culpa minha você ter sumido assim e não ter tido noticias do acidente.”

Da primeira vez pensava não ter ouvido direito, ter me confundido, mas agora estava certo. Ela realmente não conhecia Yuki, ou pelo menos parecia ser assim. Resolvi não falar mais nada, apenas me despedi e em silêncio nos abraçamos no portão e parti.

--Fim do capitulo 2, parte 1

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